Dos sabores da minha infância, o mais forte que permanece na minha lembrança é o do feijão guandu. Todas as quartas, eu ia à feira com a minha mãe, no bairro da Tijuca, Rio de Janeiro. Feira na Visconde de Figueiredo, próxima à Alzira Brandão, famosa pelas comemorações nos jogos da copa do mundo.
Ainda me lembro do ir e vir dos carrinhos com rodinhas conduzidos pelas senhoras e meninos que ajudavam a carregar as compras por uns trocados. Minha mãe levava sacolas de pano ou de nylon colorido. E eu sonhava com o dia em que ela compraria um carrinho de feira, o que nunca aconteceu.
As paradas eram as mesmas: na barraca de peixe, as sardinhas vendidas às dúzias. Todas limpinhas, prontas para fritar ainda no almoço do dia; o caju de um vermelho intenso e aroma singular (minha mãe fazia o suco coado no pano de algodão); e o feijão guandu, medido no copo de vidro americano.
Não era raro ouvir o grito de alerta:“olha o rapa!”, anunciando aos ambulantes ilegais que a polícia se aproximava. Bastava chegar um pouco para o lado e dar passagem. Em tempos de fim de ditadura, eu, ainda sem entender o que se passava no país, secretamente desejava que os vendedores conseguissem fugir dos homens de farda.
Mais da feira não me lembro. Exceto por um homem cego que vendia bananadas e que por vezes minha mãe comprava para mim. Um dia, após longa ausência, encontramos com ele em uma rua da Tijuca. Paramos e ele disse: “- Como sua filha cresceu!” Daquele dia em diante, passei a desconfiar de que ele não era cego. E muito tempo se passou para eu compreender que temos cinco sentidos para reconhecer o outro.
A memória é seletiva. Trazemos à tona o que nos convém e damos aos fatos as cores que queremos, para o bem ou para o mal. Sorte que a maioria de nós tende a esquecer os eventos ruins e dar novo sentido as coisinhas antes sem graça do nosso cotidiano. E ainda delineamos um contorno especial às nossas aventuras juvenis, algumas até hoje inconfessáveis.
Como na música de Cesária Évora, hoje regressei no tempo, uma saudade com gosto de infância.
Mamãe velha venha ouvir comigo
O bater da chuva lá no seu portão
É um bater de amigo que
vibra dentro do meu coração
Venha Mamãe velha venha ouvir comigo
Recobre a força e chegue-se ao portão
A chuva amiga já falou, mantenha
e bate dentro do meu coração
A chuva amiga mamãe velha a chuva
Que há tanto tempo não batia assim
Ouvi dizer que a cidade velha a ilha toda
Em poucos dias já virou jardim
Dizem que o campo se cobriu de verde
Da cor mais bela porque é a cor da esperança
E a terra agora é mesmo cabo verde
É a tempestade que virou bonança
Venha comigo mamãe velha, venha
Recobre a força e chegue-se ao portão
A chuva amiga já falou, mantenha
e bate dentro do meu coração
A chuva amiga mamãe velha a chuva
Que há tanto tempo não batia assim
Ouvi dizer que a cidade velha a ilha toda
Em poucos dias já virou jardim
Dizem que o campo se cobriu de verde
Da cor mais bela porque é a cor da esperança
E a terra agora é mesmo cabo verde
É a tempestade que virou bonança
Parabens, minha amiga!!!!
ResponderExcluirBlogueira linda!
kkkkkkk
Bjks Dydy
Voltei no tempo junto com você! Como era divertido ir a feira! O carrinho minha mãe me proibiu de guiar pois eu atropelava o pé de todos.
ResponderExcluirUm grande beijo
Malu!!!
ResponderExcluirLer seu blog foi como ouvir vc contando suas histórias ao vivo e a cores! Adorei sua iniciativa e estarei sempre por aqui pra ler vc!
Bjos!!
Serginho, eu já fui atropelada por muito menino guiando carrinho. Quem sabe era vc, ein? Mesmo assim ele era um dos meus sonho de consumo nesta época.
ResponderExcluirMalu
MAluuu
ResponderExcluirAdorei esse post.
Eu não lembro quase nada da minha infancia...
=/
Beijos
Eu não sabia que você morava no Rio...
ResponderExcluirEu também ia à feira com meus pais quando criança. Mas lembro-me muito pouco. O que eu lembro é daqueles sacos de biscoito de polvilho enormes no chão, encostados nas barracas. Aqui em BH não se tem mais o hábito de fazer feira em feira de rua.. :-P
Hahaha! Quando eu era criança havia muitos camelôs nas ruas de BH e também torcia para que eles escapassem da fiscalização. :)
Não tenho som agora para ouvir a música. Fiquei curiosa, especialmente pelo nome.. rsrsrs
Amiga, adorei sua viagem e adorei ir junto com você a minha própria infância. :)
Bjão.
Querida Malú,
ResponderExcluiradorei o seu relembrar, sentir e contar a feira. Muito poético, me emocionei com as minha próprias lembranças daquela confusão visual, de cheiros, pessoas e sabores.
Mil beijos
Malu,
ResponderExcluirProcurando um local no Rio que ainda venda feijão guandu (que eu nunca comi) encontrei seu blog... Por coicidência morei quando criança na Rua Visconde de Figueiredo e passava sempre pela feira, que se eu não me engano era às quartas! Boas recordações!!
bjs
Que lindo texto, Malu. Também não sabia que você era do Rio. Mas olha, as feira aqui de Minas parecem muito com as do Rio, rs.
ResponderExcluirE Eu também trago memórias semelhantes às suas da feira que frequentava com minha mãe. Lembro que minha mãe conseguiu o tão sonhado carrinho de feira, lembro dos aromas, do churrasquinho, das frutas fresquinhas... Na verdade, eu tenho o privilégio de ainda frequentar a mesma feira (que continua na mesma rua há mais de 30 anos) da minha infância e conseguir preciosidades nela.
Meus parabéns pela linda poesia de suas palavras que fazem evocar em todos nós memórias tão lindas!
Oi Ana, Para você ver. A feira fica no sangue !
ResponderExcluirBeijos