Todas as manhãs quando acordava, permanecia alguns minutos ainda deitada na cama de olhos fechados apenas com a sensação gostosa de ouvir vozes na cozinha de minha avó. Sempre me punha a imaginar que escutaria dali um segredo de família que nunca houve. Entre as frases recortadas seguia-se o cheiro do café que desde menina minha mãe me ensinou a apreciar.
Eram férias de verão. A casa de minha avó não tinha forro. No teto, era possível ver as telhas e ouvir, por vezes, sons de morcegos que sobrevoavam a noite. Os visitantes, mesmo não sendo freqüentes, rendiam histórias sem fim entre os primos e primas já debaixo dos cobertores.
Em janeiro sempre chovia. E nas tardes de chuva intensa, nossos olhos seguiam pregados nas janelas atentos aos rios e lagos que se formavam pelas ruas. Ficávamos a calcular em uma matemática ainda não aprendida qual o melhor local para darmos um grande salto, capaz de molhar quanto mais pudéssemos o nosso corpo.
O tempo também se media pela quantidade de barquinhos de papel que conseguíamos produzir para lançá-los após a chuva intensa. Muitos afundavam antes da curva na rua de baixo. Outros seguiam heróicos pelos caminhos da enxurrada, enchendo de orgulho o seu construtor.
São histórias singelas de uma infância querida, na qual a passagem das horas era medida pelo matar da fome, da sede e do sono e por insistentes apelos dos tios e tias para tomarmos pelo menos um banho por dia.
Relógio de criança é diferente.
Hoje, se eu fosse uma maçã, me dividiria em pedaços iguais:
1/3 para meu trabalho
1/3 para ser mãe
1/3 para me apaixonar
1/3 para conhecer o mundo
Outro pedaço para ler, outro para fazer nada, outro para aprender a desenhar, outro para dançar, outro para minha aula de canto, outro para comprar um vestido novo, outro para sair com os amigos, uma lista sem fim.
1/3 para meu trabalho
1/3 para ser mãe
1/3 para me apaixonar
1/3 para conhecer o mundo
Outro pedaço para ler, outro para fazer nada, outro para aprender a desenhar, outro para dançar, outro para minha aula de canto, outro para comprar um vestido novo, outro para sair com os amigos, uma lista sem fim.
Sinto que não sobrou maçã e ainda tenho um bocado de aventuras a serem vividas.
Complicando ainda mais esta equação, há dias em que quero ser inteirinha uma maçã moleca, pronta para vadiar, em outros me dá uma vontade danada de reunir amigos. Há dias de querer estar só e divagar com meus mil pensamentos.
Em todos os dias sou uma alma fracionada. Deliciosamente imprevisível, atrapalhada com tantos afazeres e possibilidades, derrotada pela percepção de viver imersa em uma ampulheta de areia, transgressora com apetite de virar à mesa e fazer tudo diferente. Feliz com algumas rotinas, como gato vira-lata que sempre volta ao aconchego do lar.
Saudades do café de minha vó.
Somos metamorfose.
ResponderExcluirMudamos, nos acomodamos, queremos mudanças outra vez.
É assim.
Bjs.
Tempo-rei, soberano tempo... quisera não ter contigo uma contenda: faz as pazes comigo?
ResponderExcluirMalu estou passando para agradecer a sua visita, desculpe não ter vindo antes pois não estava conseguindo localizar seu link, apenas hoje consegui lá no buteco mais famoso da blogosfera....rsrsrsrs.Sinta-se a vontade para voltar sempre que desejar, serás sempre bem vinda.
ResponderExcluirBjs!
Ser mutante , é tão bom .... Rsrs
ResponderExcluirViver o dia ,cada vez com nuances diferentes.
Malu , adoro seus textos !
BjO Grandeeeeeeeeeeeeeee ... :)
Malu,
ResponderExcluirsaudades do café da minha avó! A casa dela também não tinha forro, os morcegos apareciam e a criançada tomava banho de chuva.
abs carinhosos
Jussara
Malu,
ResponderExcluirQue texto gostoso....
Senti o cheiro das broas de fuba de minha avó, assadas em forno de cupim..
Se eu fosse maçã, eu não me dividiria, eu queria ser inteiro, criança outra vez.
bjo
Guará, metaformose que nos leva a loucura e que também nos impulsiona a manter a chama acesa pela vida. Meu problema é achar tempo para tantas facetas.
ResponderExcluirBjs
Tempo-rei, faz às pazes comigo e serei finalmente plena a navegar em meus delírios. Tempo-rei, jogue fora esses ponteiros certeiros e serás tu, apenas dia e noite.
ResponderExcluirObrigada Deborah, belo verso,
bjs
Oi Malu, mutações e cronômetro. Coisas que não combinam, né? Pena não podermos viver todas as fantasias.
ResponderExcluirBjs
Oi Jussara, coisa danada de boa é ter lembranças de casa de vó, não é? Então você também se lembra dos morcegos barulhentos? Uma aventura e tanto dormir com o eles rondando. Quanta fantasia!
ResponderExcluirBeijo grande,
Nathália, o Buteco do Lufe é mesmo muito bem frequentado. Bom ver a freguesia dele se achegando por aqui para tomar um drinque ou dois.
ResponderExcluirPrazer em recebê-la. Volte sempre.
Bjs,
HUM, gostosa essa broa.
ResponderExcluirLufe, que bom se pudéssemos voltar a ser uma maçã inteira, não é? Você tem razão. Naquela época tudo era bem mais fácil e todos os sonhos eram incrivelmente possíveis.
Bjo,
Malu,
ResponderExcluirCoisa boa pra mim é vir aqui te ler ,
reler .
Sempre tem muito de minha infância em
seus textos ...
Saio daqui com aromas doces .
BjO e uma Noite cheia de Magia e Paz ...
Malu, vim aqui agradecer seu carinho, e me emociono com seu texto...
ResponderExcluirQue saudade da minha vó, meu Deus....do café, do caldo do feijão, de tudooooo.
Meu coração ficou apertado aqui rs.
Mas ela tá fazendo café pros anjos no céu, tenho certeza.
Muito lindoooooooo seu espaço, lindo demais.
Um abraço meu!
MALU
ResponderExcluirSOMOS METAMORFOSE AMBULANTE.
E há momentos em que eu, sinceramente, acho que A VIDA QUE QUERO VIVER NAO É A VIDA QUE OS OUTROS QUEREM PARA MIM.
Tenho um estilo cigano muito, mas muito arraigado em mim. Acho que eu nao deveria nunca ter casado.
Essa conclusao foi feita pela minha filha, ontem á noite, diante do meu marido.Por que, quando eu viajo pela África..a.credite...eu mergilho na África e, noticias, eu dou a cada 10 dias.
sei que é egoismo mas, eumergulho no viver africano.
E acho muito dificil, eu nao voar apra lá, na primeira oportunidade que me der.
Me sensibilizo com a dor da mulher africana e o choro da crianca de lá.
MAS, ME FAZ SOFRER A DOR FAMINTA DO POVO ALAGOANO, TERRA ONDE EU NASCI.
Tem dias em que eu quero ser o MUNDO E,. DENTRO DELE, DEIXAR MERGULHAR E VIVENCIAR MEUS SONHOS...TODOS OS SONHOS.
Mas, mutia gente tenta me endeusar. nao sou santa. Sou aquele tipod e mulher intensa. Intensa, de tal forma que, se eu viajar e der de cara copm umj Principe Encantado, daqueles de me tirar o fôlego..acredite!!!!NAO SOU HIPOCRITA EM DIZER QUE NAO VOU QUERER TIRAR UAM CASQUINHA.
Mesmo que, o dia amanheca e eu tenha que embracar no primeiro aviao...kkkk
simples assim....
bjs e dias felizes
Malu, queridaaaaaaa!
ResponderExcluirFizesse eu viajar pelo passado agora. Casa de meus avós paternos: uma chácara cheia de laranjas e outras frutas. Passávamos as tardes debaixo das laranjeiras.
Casa de meus tios: eu vivia exatamente essa sensação de acordar cedo e ficar na cama esperando o barulho das panelas que sinalizavam o café abundante, cheio de bolos, roscas, e até o leite tirado da vaca Estrela antes do amanhecer.
Casa de outro tio, às vezes íamos de trem maria fumaça, acreditas.
Ahhh quero morrer pensando nisso!
Obrigado por me levar de volta ao passado! Beijos!
Olá Sil,
ResponderExcluirFico feliz em te trazer lembranças tão boas. Saudades é o amor que fica, não é?
bjs
Querida Grace,
ResponderExcluirFiquei muito contente com sua visita. Acho que as pessoas tendem a endeusar quem tem coragem para ousar. Sua ousadia foge do lugar comum. você faz algo que lhe é um prazer. Você tem vontade e realiza.
Muitas das minhas vontades não alcançam o tamanho maior do que a minha rotina. Mas quem sabe um dia me inspiro em você e crio coragem para realizar desejos do tamanho da África?
Beijo grande e continue a contar em seu blog sobre suas metamoforses
Olá Milton, que bom que você também tem saudades de sua infância. Coisa boa é manter viva essas recordações, não é?
ResponderExcluirViva os pés de laranjas, os pés de caju, as goiabeiras, os banhos de rio, as casas dos avós, primos e primas e todos aquelas pessoas amadas que a nós foram e são tão caras na nossa lembrança.
Beijo grande,
Olá,
ResponderExcluirEste odor a cafezinho é-me familiar...
Posso ficar aqui um bocadinho, só para saborear a sua memória. De tudo isso que contou só morcegos não tinha...
Quando à sua metamorfose, gostei
e pago-lhe com a mimnha,
a segunda que já postei. É assim:
METAMORFOSE - II
Pediram-me que fosse árvore,
com olhos de implorar...
Não uma árvore qualquer,
mas com ramos de abraçar,
tronco forte
bem enraizado,
suavemente inclinado.
Aceitei e gostei.
Gostei que o vento me sussurrasse.
Uma ave em mim pousasse
escolhendo-me para seu ninho.
Gostei de me sentir enorme, gigante
dando conforto e sombra à caminhante
Gostei de me desnudar, perder folhagem
atapetando a paisagem
Gostei de sentir a seiva quente
percorrer-me como quando era gente...
Aí, senti saudade de voltar
e voltei, em festa...
Quem antes via apenas a árvore,
pode agora ver, através de mim, a floresta
Beijo
Interessante o post, mas com certeza, nunca conseguiremos no dividir tanto a ponto de viver cada coisa que queremos ver na vida, com muito esforço, conseguirmo ver / realizar aquelas mais importantes...
ResponderExcluirFique com Deus, menina Malu Machado.
Um abraço.
Olá Malu!
ResponderExcluirme desculpe a demora em te vistar.
Fui lá apreciar suas músicas e gostei muito.
Vc fez belas escolhas.
Bjs.
Num tô dizendo que ela é saudosista!!!Quem não é, né Malu?!!A memória nos faz prisioneiros do passado, esse é nossa eterna prisão sem muros: a de nunca poder estar lá novamente... só em lembranças. Tem um texto que li quando criança, na segunda série - "A bolsa amarela" de Ligya Bojunga - e que me marcou. Se a gente se identifica, já era! A leitura trazia exatamente o que eu pensava: a menina Raquel tinha uma bolsa amarela onde ela escondia todos os seus sonhos/desejos. E os meus sonhos/desejos eram exatamente os dela: vontade de crescer, vontade de ser garoto e vontade de ser escritora. Acho que a vontade de crescer é comum a todas as crianças (apesar que, depois de grandes, elas querem ser crianças novamente); de ser um garoto pq por ser a única menina de uma ninhada de quatro irmãos; eu era proibida de fazer milhões de coisas legais, simplesmente por não ser um menino; e, por fim, o gosto pela leitura/escrita. Eu cresci, Malu. Menino eu não quero ser mais, rs! E me tornei jornalista. Parte dos sonhos guardados na bolsa amarela se tornaram reais... "Minhas vontades estavam presas na bolsa amarela". Os meus dias, moça, hoje, têm 24 horas...naquela época havia infinitas horas... e com o cair da tarde eu me tornava triste, porque era o dia se despedindo, acabou a brincadeira! Comparo a sua vontade de ser/fazer tantas coisas ao mesmo tempo: relógio de criança é diferente porque não tem ponteiros!!
ResponderExcluirBeijos!!!
Como sinto saudade do café da minha avó e do frango crocante da minha outra avó. Que nostalgia!
ResponderExcluiradorei!
Oi,Malu!Obrigada pela visita!Volte sempre!Nossa ocmo eu queria me dividir como a maçã em mil pedaços, ser uma e ser várias ao mesmo tempo,mas infelizmente isso não é possível...Então vamso sendo a cada novo dia uma parte diferente.
ResponderExcluirUm ótimo findi!
Beijos
Roberta, A Bolsa Amarela foi um livro que mantive na minha biblioteca por muito tempo. Acho que foi adotado por muitos colégios rss. E isso é bom pq o livro é de alto nível. Eu não pensava no que levaria na bolsa, mas ficava imaginando: Pq não uma bolsa vermelha??? Pq não tinha um patins dentro da bolsa dela??? Sério, contestava tudo kkk.
ResponderExcluirRealmente, o tempo de criança também era um tempo de agora ou nunca. Pq criança pensa que o mundo vai acabar se não fizer naquele instante o que lhe vem na telha. Mas, apesar dessa profunda sensação de fim de mundo, um novo dia sempre surgia com infinitas oportunidades.
Hoje sabemos que as vontades são eternas, mas as realizações finitas. Daí eu querer ser várias almas, várias malus, vários pedaços de mim.
Beijo grande, amiga e obrigada pelo comentário carinhoso.
Alexandre, que orgulho ouvir isso de você! Admiro muito o seu trabalho no blog. Gostei e quero muito participar.
ResponderExcluirBjs
Flor, que bom te receber por aqui. Espero que volte sempre para um delírio ou outro.
ResponderExcluirSe dividir e ainda permanecer inteira. Se alguém descobrir o segredo, me conta !
Beijo grande,
Oi Fátima, que bom que gostou das músicas. Estou pensando em fazer uma seleção diferente todo mês. Se tiver pernas, te aviso !!
ResponderExcluirBjs,
Rogério, que linda metamorfose. Também eu em minha vida ando com vontades de me metamorfosear. Viver outros destinos, outros personagens e depois voltar, mais rica, mais plena.
ResponderExcluirobrigada pelo poema.
bjs,
Adorei! Tanta sensibilidade para narrar suas memórias... (são suas, né? Ou são de um personagem?)
ResponderExcluirSe eu fosse uma maçã, 1/3 do meu tempo seria para escrever mais no meu blog e para poder me deliciar mais com blogs como o seu!
Beijos!
Ah, Ana, que elogio! Este aqui são memórias mesmo.
ResponderExcluirBjs,