"Absinto" é uma bebida destilada feito da erva Artemisia absinthium. Anis, funcho e por vezes outras ervas compõem a bebida. Ela foi criada e utilizada primeiramente como remédio pelo Dr. Pierre Ordinaire, médico francês que vivia em Couvet na Suíça por volta de 1792.É também conhecido popularmente de fada verde em virtude de um suposto efeito alucinógeno. Absinto, o blog, é um espaço para delírios pessoais e coletivos. Absinte-se e boa leitura.

domingo, 20 de dezembro de 2009

O tempo, as lembranças e as coisas não vividas

Pintura: Pessoa na Janela, por Salvador Dali

Eu tenho que admitir, em matéria de mudar e marcar, famoso artigo de Airton Luiz Mendonça, publicado no Estado de São Paulo, o ano de 2009 foi bem apropriado para vencer desafios e sair do lugar comum.

Para quem tem filhos, como eu, já conta com um grande aliado no quesito quebrar rotinas. Doença de filho tira a gente do sério. Este ano, a H1N1 teve o papel de nos deixar em pé de alerta ao sinal de qualquer resfriado ou febre.

A dengue até perdeu o seu destaque de musa do verão. No meu caso, ainda somaram-se enormes reviravoltas no trabalho em um cenário político de montanha russa. Nada, absolutamente nada, que eu pudesse controlar.

Em seu texto, Airton explica que a sensação de que o tempo passa mais rápido está diretamente relacionado com o nosso tempo de vida. Diga-me quantos cajus você possui (expressão nordestina para se contar a idade) e eu te direi o quanto o relógio pode estar acelerado no seu dia-a-dia.

O nosso cérebro mede o tempo observando os movimentos que nos cerca. Por isso a expressão, também nordestina (ou quiçá lusitana) usada tão deliciosamente por Elomar:
“Nos encontraremos novamente na quadra certa da lua”.

E se ela não chegar, é porque não era para ser. O mundo é cíclico porque nós o compreendemos assim.

Se alguém colocar você dentro de uma sala branca vazia, sem portas ou janelas e sem relógio, você começará a perder a noção do tempo. Sem a noção exterior dos movimentos, você passará a medir o tempo pelos seus movimentos internos, como os batimentos cardíacos, ciclos de sono, fome, sede e pressão sanguínea.

Um cérebro adulto registra entre 40 e 60 mil pensamentos por dia. Para que você não enlouqueça, ele evita processar a mesma informação duas vezes.

Por isso, por mais belo que seja um por do sol, se você tem o privilégio de morar em uma ilha paradisíaca e vê-lo todos os dias, você passa a não ”enxergá-lo”.

Então, Airton nos ensina uma receita de eterna juventude: O Mude e Marque, ou como ele charmosamente chama de M&M. E 2009 me proporcionou isto, sem que precisasse fazer muitos esforços. Este foi um ano de provas e expiações kardecistas. Tudo o que foi programado, premeditado, não colheu frutos. A rotina fez as malas e saiu sem rumo.

A sensação de não estar no controle é desagradável até o momento em que nos entregamos a ela. Não há o que fazer, não há o que semear, como disse Clarrisa Pinkola Estés, em O Jardineiro que tinha fé. Vamos arar o terreno e esperar as sementes que o vento nos trará.

Tenho algumas pessoas a agradecer nesta jornada. Paulo, meu companheiro, um sábio que tem a medida exata da arte do saber esperar e do saber agir, ao meu filho, que todos os dias me ensina uma nova maneira de ver a vida, e me mostra o quanto ainda preciso soltar minhas amarras e simplesmente me entregar ao sentimento.

E algumas sementes que começaram a germinar no meu jardim. Deborah, duas Andréas, Polyana, Júlio, Soraya, Vilma, Robert, Regina, Isis, Bruno, Carolina, Francine...

Outras que vieram há mais tempo e que já são pequenas mudas. Cleide, Kelly, Aline, Tereza, Serginho, Fernando, Raul, Marilise, Pollyana, Dora, Ramon, Letícia, Marco...

No meu jardim também há árvores frondosas que há algum tempo não saboreava seus frutos e que neste ano eu pude colher alguns. Meu reencontro com Silvia foi assim, como se nunca houvesse separação. Porque na verdade não há.

Também tiveram pessoas que vieram e passaram, mas que deixaram seu registro, como a doce Jesane, que nunca sequer saberá que citei seu nome por aqui.

Em um universo tão místico, sigo minha caminhada. Não há certezas, não há sequer estradas traçadas. Apenas a vontade de semear e de me superar. Aliás, essa é a melhor parte.

domingo, 13 de dezembro de 2009

A Santa e os Minaretes



O ano era o de 1969 e o Museu de Arte Sacra, em Salvador, iria receber uma valiosa imagem de Santa Bárbara, conduzida com todo esmero em um saveiro que saíra de Santo Amaro da Purificação. O diretor do Museu foi pessoalmente ao cais do porto para recepcionar a Santa. No entanto, Oiá-Iansã tinha outros compromissos inadiáveis em sua estada na capital baiana.

Remexendo suas ancas, a Santa deu uma levantada em sua veste e saiu pelas ruas da Bahia à procura de sua protegida, a jovem Manuela.

Este é um pouco do que vem à minha memória do romance de Jorge Amado, O Sumiço da Santa (1988 - cem anos da Abolição da Escravatura no Brasil), e que fatos recentes me fizeram recordar.

O escritor que, ao longo de sua obra, soube descrever tão bem o sincretismo religioso presente na cultura brasileira, não está sozinho. No livro de Dias Gomes, Santa Bárbara também é a personagem principal do imbróglio entre Zé do Burro, a igreja católica e o candomblé.

O Pagador de Promessas foi parar nas telas de Cannes e Santa Bárbara (Anselmo Duarte), ganhou a Palma de Ouro – único filme brasileiro a receber o maior prêmio do cinema francês até os dias de hoje.

Um amigo me disse que o Brasil mantém, ainda, um título inusitado: seria o exclusivo país do mundo em que os mulçumanos acumulam as rezas a Meca durante o dia para fazê-las em um só horário. Não duvido.

Quem fizer uma visitinha à rua Primeiro de Março, no Rio de Janeiro, não vai se espantar em ver um árabe legítimo tomando um chopp bem gelado, enquanto manuseia o seu misbaha e conversa alegremente com seu amigo Isaac.

O Brasil é mesmo uma benção! A literatura nos revela, no entanto, que sua fama de tolerância religiosa é bem frágil. Zé do Burro que o diga. E também tantas pessoas perseguidas por acreditarem em espíritos, por exemplo. Mas existe sim uma maleabilidade incomum. Uma mistura inusitada e cativante.

Há poucas semanas, a Suíça, país considerado como um dos santuários dos direitos humanos, entrou em conflito com a colônia islâmica ali existente, ao proibir a construção de minaretes em suas mesquitas.

As pequenas torres nos templos mulçumanos servem exatamente de local para adoração a Meca e estão presentes na arquitetura de diversos países europeus.

A decisão teve aprovação de 57% dos votos da população. O vaticano teme represárias violentas às igrejas católicas no Oriente Médio. A medida foi proposta pelo Partido do Povo (SVP), considerado de extrema direita, sob a alegação de que as torres simbolizavam uma “islamização” do país.

O Islã na Suíça é professado por cerca de 350.000 pessoas de acordo com o último censo realizado no país, sendo equivalente a 5% da população total (em 1990 eram 2,2% e em 2000 eram 4,3%), o que faz do Islã a terceira maior religião na Suíça.

O conflito carece de mais atenção por não ser esta a única medida autoritária que o governo suíço toma recentemente. Fico me perguntando se uma votação democrática tem o direito de decidir sobre como uma minoria deva ou não processar o seu credo.

Em que pesem todas as críticas pessoais que eu possa ter ao islamismo, práticas religiosas cristãs fundamentalistas e pentecostais entre outras, o lugar comum entre todas as ditaduras (muitas vezes trajadas por um ato democrático), é a intolerância às diferenças.

Penso como fez bem Santa Bárbara / Iansã, ao deixar seu confortável andouro para socorrer sua afilhada. Penso como fazem bem os ateus que respeitam a fé do outro, embora esta lhe pareça insana.

Penso em todo o capítulo de A a Z escrito por Saramago em Evangelho Segundo Jesus Cristo, dos que morreram em nome do Cristo, penso como são tolos os que adotam uma verdade única e não sabe o quanto elas (as verdades) gostam de mudar de forma nas múltiplas mentes que habitam o planeta.

Ai de mim que em nada creio, a não ser na força das águas, na beleza das flores e na inocência das crianças que dão novo colorido aos dias cinzentos e iguais de minha existência. Ai de mim que tenho como exercício diário o olhar e compreender o outro, deixando de lado, por vezes, as minhas vontades. Ai de mim que busco acordar e adorar o sol como se fosse o primeiro ou talvez o último. Não tenho religião, mas tenho a fé dos tolos que insistem na felicidade.