"Absinto" é uma bebida destilada feito da erva Artemisia absinthium. Anis, funcho e por vezes outras ervas compõem a bebida. Ela foi criada e utilizada primeiramente como remédio pelo Dr. Pierre Ordinaire, médico francês que vivia em Couvet na Suíça por volta de 1792.É também conhecido popularmente de fada verde em virtude de um suposto efeito alucinógeno. Absinto, o blog, é um espaço para delírios pessoais e coletivos. Absinte-se e boa leitura.

domingo, 20 de dezembro de 2009

O tempo, as lembranças e as coisas não vividas

Pintura: Pessoa na Janela, por Salvador Dali

Eu tenho que admitir, em matéria de mudar e marcar, famoso artigo de Airton Luiz Mendonça, publicado no Estado de São Paulo, o ano de 2009 foi bem apropriado para vencer desafios e sair do lugar comum.

Para quem tem filhos, como eu, já conta com um grande aliado no quesito quebrar rotinas. Doença de filho tira a gente do sério. Este ano, a H1N1 teve o papel de nos deixar em pé de alerta ao sinal de qualquer resfriado ou febre.

A dengue até perdeu o seu destaque de musa do verão. No meu caso, ainda somaram-se enormes reviravoltas no trabalho em um cenário político de montanha russa. Nada, absolutamente nada, que eu pudesse controlar.

Em seu texto, Airton explica que a sensação de que o tempo passa mais rápido está diretamente relacionado com o nosso tempo de vida. Diga-me quantos cajus você possui (expressão nordestina para se contar a idade) e eu te direi o quanto o relógio pode estar acelerado no seu dia-a-dia.

O nosso cérebro mede o tempo observando os movimentos que nos cerca. Por isso a expressão, também nordestina (ou quiçá lusitana) usada tão deliciosamente por Elomar:
“Nos encontraremos novamente na quadra certa da lua”.

E se ela não chegar, é porque não era para ser. O mundo é cíclico porque nós o compreendemos assim.

Se alguém colocar você dentro de uma sala branca vazia, sem portas ou janelas e sem relógio, você começará a perder a noção do tempo. Sem a noção exterior dos movimentos, você passará a medir o tempo pelos seus movimentos internos, como os batimentos cardíacos, ciclos de sono, fome, sede e pressão sanguínea.

Um cérebro adulto registra entre 40 e 60 mil pensamentos por dia. Para que você não enlouqueça, ele evita processar a mesma informação duas vezes.

Por isso, por mais belo que seja um por do sol, se você tem o privilégio de morar em uma ilha paradisíaca e vê-lo todos os dias, você passa a não ”enxergá-lo”.

Então, Airton nos ensina uma receita de eterna juventude: O Mude e Marque, ou como ele charmosamente chama de M&M. E 2009 me proporcionou isto, sem que precisasse fazer muitos esforços. Este foi um ano de provas e expiações kardecistas. Tudo o que foi programado, premeditado, não colheu frutos. A rotina fez as malas e saiu sem rumo.

A sensação de não estar no controle é desagradável até o momento em que nos entregamos a ela. Não há o que fazer, não há o que semear, como disse Clarrisa Pinkola Estés, em O Jardineiro que tinha fé. Vamos arar o terreno e esperar as sementes que o vento nos trará.

Tenho algumas pessoas a agradecer nesta jornada. Paulo, meu companheiro, um sábio que tem a medida exata da arte do saber esperar e do saber agir, ao meu filho, que todos os dias me ensina uma nova maneira de ver a vida, e me mostra o quanto ainda preciso soltar minhas amarras e simplesmente me entregar ao sentimento.

E algumas sementes que começaram a germinar no meu jardim. Deborah, duas Andréas, Polyana, Júlio, Soraya, Vilma, Robert, Regina, Isis, Bruno, Carolina, Francine...

Outras que vieram há mais tempo e que já são pequenas mudas. Cleide, Kelly, Aline, Tereza, Serginho, Fernando, Raul, Marilise, Pollyana, Dora, Ramon, Letícia, Marco...

No meu jardim também há árvores frondosas que há algum tempo não saboreava seus frutos e que neste ano eu pude colher alguns. Meu reencontro com Silvia foi assim, como se nunca houvesse separação. Porque na verdade não há.

Também tiveram pessoas que vieram e passaram, mas que deixaram seu registro, como a doce Jesane, que nunca sequer saberá que citei seu nome por aqui.

Em um universo tão místico, sigo minha caminhada. Não há certezas, não há sequer estradas traçadas. Apenas a vontade de semear e de me superar. Aliás, essa é a melhor parte.

domingo, 13 de dezembro de 2009

A Santa e os Minaretes



O ano era o de 1969 e o Museu de Arte Sacra, em Salvador, iria receber uma valiosa imagem de Santa Bárbara, conduzida com todo esmero em um saveiro que saíra de Santo Amaro da Purificação. O diretor do Museu foi pessoalmente ao cais do porto para recepcionar a Santa. No entanto, Oiá-Iansã tinha outros compromissos inadiáveis em sua estada na capital baiana.

Remexendo suas ancas, a Santa deu uma levantada em sua veste e saiu pelas ruas da Bahia à procura de sua protegida, a jovem Manuela.

Este é um pouco do que vem à minha memória do romance de Jorge Amado, O Sumiço da Santa (1988 - cem anos da Abolição da Escravatura no Brasil), e que fatos recentes me fizeram recordar.

O escritor que, ao longo de sua obra, soube descrever tão bem o sincretismo religioso presente na cultura brasileira, não está sozinho. No livro de Dias Gomes, Santa Bárbara também é a personagem principal do imbróglio entre Zé do Burro, a igreja católica e o candomblé.

O Pagador de Promessas foi parar nas telas de Cannes e Santa Bárbara (Anselmo Duarte), ganhou a Palma de Ouro – único filme brasileiro a receber o maior prêmio do cinema francês até os dias de hoje.

Um amigo me disse que o Brasil mantém, ainda, um título inusitado: seria o exclusivo país do mundo em que os mulçumanos acumulam as rezas a Meca durante o dia para fazê-las em um só horário. Não duvido.

Quem fizer uma visitinha à rua Primeiro de Março, no Rio de Janeiro, não vai se espantar em ver um árabe legítimo tomando um chopp bem gelado, enquanto manuseia o seu misbaha e conversa alegremente com seu amigo Isaac.

O Brasil é mesmo uma benção! A literatura nos revela, no entanto, que sua fama de tolerância religiosa é bem frágil. Zé do Burro que o diga. E também tantas pessoas perseguidas por acreditarem em espíritos, por exemplo. Mas existe sim uma maleabilidade incomum. Uma mistura inusitada e cativante.

Há poucas semanas, a Suíça, país considerado como um dos santuários dos direitos humanos, entrou em conflito com a colônia islâmica ali existente, ao proibir a construção de minaretes em suas mesquitas.

As pequenas torres nos templos mulçumanos servem exatamente de local para adoração a Meca e estão presentes na arquitetura de diversos países europeus.

A decisão teve aprovação de 57% dos votos da população. O vaticano teme represárias violentas às igrejas católicas no Oriente Médio. A medida foi proposta pelo Partido do Povo (SVP), considerado de extrema direita, sob a alegação de que as torres simbolizavam uma “islamização” do país.

O Islã na Suíça é professado por cerca de 350.000 pessoas de acordo com o último censo realizado no país, sendo equivalente a 5% da população total (em 1990 eram 2,2% e em 2000 eram 4,3%), o que faz do Islã a terceira maior religião na Suíça.

O conflito carece de mais atenção por não ser esta a única medida autoritária que o governo suíço toma recentemente. Fico me perguntando se uma votação democrática tem o direito de decidir sobre como uma minoria deva ou não processar o seu credo.

Em que pesem todas as críticas pessoais que eu possa ter ao islamismo, práticas religiosas cristãs fundamentalistas e pentecostais entre outras, o lugar comum entre todas as ditaduras (muitas vezes trajadas por um ato democrático), é a intolerância às diferenças.

Penso como fez bem Santa Bárbara / Iansã, ao deixar seu confortável andouro para socorrer sua afilhada. Penso como fazem bem os ateus que respeitam a fé do outro, embora esta lhe pareça insana.

Penso em todo o capítulo de A a Z escrito por Saramago em Evangelho Segundo Jesus Cristo, dos que morreram em nome do Cristo, penso como são tolos os que adotam uma verdade única e não sabe o quanto elas (as verdades) gostam de mudar de forma nas múltiplas mentes que habitam o planeta.

Ai de mim que em nada creio, a não ser na força das águas, na beleza das flores e na inocência das crianças que dão novo colorido aos dias cinzentos e iguais de minha existência. Ai de mim que tenho como exercício diário o olhar e compreender o outro, deixando de lado, por vezes, as minhas vontades. Ai de mim que busco acordar e adorar o sol como se fosse o primeiro ou talvez o último. Não tenho religião, mas tenho a fé dos tolos que insistem na felicidade.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Todas as cartas de amor

Todas as cartas de amor são ridículas. Menos as de Pablo Neruda. O poeta chileno abusa de seu talento, embriaga os sentimentos. Ninguém sai em vão de sua leitura. Talvez porque com ele nos sentimos especiais. E o que buscamos a não ser a certeza de sermos singulares entre todas as criaturas?

No amor, mais do que elogiados, queremos ser escolhidos. Não por qualquer um, mas por alguém que julgamos especial diante dos outros. Alguém capaz de conquistar qualquer pessoa e que, magicamente, nos escolhe. Só somos capazes de amar, desejar, quem admiramos.


O primeiro passo do amor é o objeto de Narciso. E ao sucumbir ao reflexo das águas, embaralhamos tudo e descobrimos quem não somos. E pior, o que somos. 

Um olhar, apenas. Basta um olhar e o estrago estará feito para todo o sempre. Amamos pelos detalhes. Não é o olhar, mas aquele olhar, uma luz específica que bate no corpo, desvelando uma cena única e uma lembrança eterna. Quando perguntamos o que amamos nele (nela), o que nos vem à cabeça é o detalhe. É claro que as causas e as razões do amor não são a pele sob a luz, mas, sem aquela pele sob aquela luz sob aquele ângulo, não há razões nem causas para o amor!

Não há quem duvide do divino torpor que a paixão nos provoca. Suave embriaguez que nos deixa levitando por segundos, horas, dias, meses. Até que a chuva passe em Macondo e o mundo nos resgate ao cotidiano.

Se a paixão se esvai, o amor se enraíza. A primeira imagem, um charmoso figurino original, some em névoas por tantos afazeres. Fica a mão, a certeza do aconchego, das diferenças toleradas, das semelhanças reforçadas. O roçar dos braços enquanto se prepara o peixe, como revelou Coralina. Se a admiração acaba, o amor também acaba. Sherazade sabia disso e reinventou o amor em mil e uma noites de intimidades entre histórias e prazer.



O fogo, este é necessário reinventar. Na surpresa do ato, ainda ser capaz de elevar o ser amado a condição de especial. Isso, após o território conquistado, é o eterno desafio.



De Los versos Del capitán
Eu te nomeei rainha.
Existem mais altas que tu, mais altas.
Mais puras do que tu, mais puras.
Mais belas do que tu, mais belas.
Mas tu és a rainha.
Quando vais pelas ruas
ninguém te reconhece.
Ninguém vê a coroa de cristal, ninguém vê
o tapete de ouro vermelho
que pisas por onde passas,
o tapete que não existe.
E apenas apareces
cantam todos os rios
em meu corpo, as campanas
estremecem o céu,
e um hino enche o mundo.
Somente tu e eu,
somente tu e eu, amor meu,
o escutamos.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

TED - Ideas Worth Spreading

Aos mais novos, me desculpem a lembrança tão pré-histórica, mas, na infância, uma das minhas brincadeiras preferidas era imaginar que as portas de vidro e inox da varanda do nosso apartamento na Tijuca, bairro carioca, eram as portas que davam acesso às diferentes salas da Enterprise.

Algo realmente inacreditável naquela época era imaginar ser possível abrir uma simples porta apenas chegando-se perto dela. Poucos anos depois, tive o encontro inusitado com esta avançada tecnologia no aeroporto do Galeão (atual Tom Jobim). Hoje não existe ato mais banal do que se deparar com uma porta dessas em infindáveis projetos arquitetônicos.

Novamente na inspiração do lendário capitão Kirk, restava-me, ainda, sonhar com a possibilidade do teletransporte. Ato que até hoje, pelo que eu saiba, ainda não se concretizou. Mas, ainda na década de 90, uma reportagem da revista Super Interessante falava sobre experiências feitas pela General Electric que havia alcançado o feito de teletransportar uma lâmpada em um aparelho experimental de uma sala para outra. Havia apenas um problema: após o processo, a lâmpada não acendia. Passei a ter frios na espinha ao imaginar que parte de mim não mais poderia funcionar se entrasse em uma máquina dessas.

A mesma reportagem ainda enchia os nossos olhos com a idéia do teletransporte de pizzas. Funcionará assim, no futuro. Você telefona para uma pizzaria, faz o pedido, e ela chega na sua casa, quentinha, crocante, através de um simples aparelho eletrodoméstico, ligado a uma linha telefônica.

Nunca mais soube dessas experiências, mas sei que elas estão por aí. O aparelho de teletransporte – sonho de 10 entre 10 meninos e meninas que assistiram ao Jornada nas Estrelas, deve ser lançado, em breve, pelos espanhóis, ou, quem sabe, pelos dinamarqueses? Basta uma busca no Sr. Google para ter notícias do projeto em diferentes pontos do planeta. Assistimos a uma verdadeira corrida maluca como aquela dos primeiros aviões, invenções que não acreditamos, que não conseguimos ter o alcance do que virão a produzir.

Estudantes do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), liderados por Pattie Maes, do Laboratório de Interfaces da célebre instituição de ensino norte-americana, criaram um sistema que transforma qualquer coisa em uma tela interativa – de paredes até suas mãos.

Pattie Maes lembra que no mundo real usamos os cinco sentidos para obter informações sobre nosso meio ambiente e responder a ele. “Mas a maioria das coisas que aprendemos hoje procede de computadores e da internet. Por essa razão, a novidade tecnológica foi batizada de Sexto Sentido Digital.


Sempre que me deparo com algo novo, faço a mim mesma a pergunta: eu preciso disso? Até hoje sobrevivo bem sem microondas e cartões de crédito. Levei um ano para descobrir como funciona o twitter e até hoje, embora creia de que se trate de uma proposta que deva ser observada de perto, não há como definir o que esta ferramenta pode acrescentar à humanidade.

No filme a seguir, a viagem é mais longa, uma atmosfera de anos luz para a percepção de que mundo que está por vir (Caso isto seja possível com nossos olhos na atualidade).


Fica, ainda, o convite ao exercício de como serão certos atos rotineiros no ano 5.000 D.C. - Refeições feitas por comprimidos altamente balanceados em nutrientes, sem nenhum prazer do sentar-se à mesa, bebês de proveta, roupas que se adaptam a temperatura, música sensorial? Ou estaremos obesos como os humanos retratados no filme Walle?


Sinceramente, espero que ainda exista espaço para movimentos como o Città Slow, partos humanizados, um bom vinho e uma excelente companhia, nada virtual.




quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Para alguém muito especial

Pintura Guilherme de Faria

Tenho um admirador mirim. Ele tem apenas 5 anos e hoje me ofereceu flores. Precisamente um infinito de flores e 1, que é mais do que o infinito, em suas primeiras noções de matemática.

Existe algo mais bonito do que um filho amando sua mãe? O mundo é belo, porque eu existo para esta criaturinha.

A responsabilidade é proporcional ao tamanho deste amor, ou seja, no meu caso, o infinito e 1.

A maternidade é um acontecimento que não se explica, se vivencia. Existem mães de todos os tipos e cores. Mães que não queriam ser, mães que querem ser, mas não sabem como ser, mães que abrem mão de tudo só para serem mães, mães que não querem abrir mão de nada.

No fundo, somos todas exageradamente erradas, como definiu Freud. Mas amadas. Pelo menos até a pré-adolescência e o primeiro grito de liberdade: “Eu te odeio!” Sinceramente, espero não ouvir isto com muita intensidade e nem com muita freqüência.
Ah, doce ilusão.

Minha gravidez foi daquelas bem programadas. Esperamos pouco tempo e logo ele veio. O parto seria um parto, não uma cirurgia eletiva.

No entanto, este capítulo foi retirado do meu controle, e, como tantas mulheres (brasileiras ou não), desavisadas e crentes em uma medicina que deveria respeitar as suas escolhas, acabei em um centro cirúrgico, sem saber que aquele ato era completamente desnecessário.

Depois foi a retirada do bebê dos meus braços.

Nada de amamentação na primeira hora de vida, nada do pai acompanhando o nascimento do filho. Todo um sonho por terra.

E algumas pessoas acreditam que poderia ter sido diferente, se o meu empoderamento fosse maior. Faltou conhecimento e forças. Mas como culpar uma gestante fragilizada no momento em que deveria estar sendo mais amparada pelos profissionais de saúde?

Outras acham tudo uma bobagem, afinal, o que vale é ter o filho com saúde, não é mesmo?

Muitos nunca irão compreender este dilema, mas há um grito silencioso em inúmeras mulheres pelo mundo, que tiveram seus direitos violados na hora em que deveria lhes ser a mais sagrada. Um infinito e 1 de mulheres.

A amamentação foi a minha revanche. A vitória veio com o aleitamento materno até os dois anos e um mês. Nós precisávamos desse aconchego. Eu estava de novo no comando das escolhas e, desde então, tudo vem correndo bem. Conflitos, dúvidas, angústias, amor.

A dor do parto contido vai ficando velada, distante, diante de cada conquista deste menino, cada aprendizado que ele me traz. Juntos, vamos reinventando o mundo, descobrindo que a roda gira, que a vela é mágica, que uma caixa de papelão pode virar um touro, ou um barco, ou um ninho. Ainda dói. Vai doer sempre. Mas a vida continua.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Pertubaziones



O grupo Pertubaziones fala na música que agosto é o mês mais frio do ano. Agosto é verão na Itália. As pessoas saem de férias e quem quieta nas grandes cidades sente imensa solidão.


Enquanto o vento bate lá fora, deixa e leva nuvens e sentimentos.

Penso como é difícil o encontro de almas
Fragmentos, momentos únicos, que escapam no ar.
Encontros, desencontros.

Queria ser plena de calor. O tempo todo.
Mas existem invernos, mesmo quando se é verão ou primavera.
Pertubações em minha mente me fazem achar possível a Gentileza do profeta.

Seria tudo perfeito, não fosse o ser humano e a sua subjetividade.
Querer comer morangos em dias de jabuticabas

Seria tudo perfeito,
Não fosse a ausência de olhares para compreender e a ausência do querer para se entregar, apenas.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Sobre urbes e estado de espírito



Visitei São Paulo e ela não me engoliu. Embora dê medo. Sempre tive medo de São Paulo. Medo do desconhecido, de não conseguir por a vista em tudo. O Rio é diferente. Você tem noção para onde está se indo.

Em São Paulo você anda embaixo da terra. A geografia agride.

Em meus pensamentos, sentiria mais segura em Paris, cidade que espero um dia conhecer, do que na terra de todos os imigrantes.

Depois de algumas poucas viagens para a grande capital – onde a garoa sempre foi minha companheira – me lancei aos túneis e desvendei alguns de seus lugares, não tão secretos, mas decididamente inesquecíveis. Neste dia, enfim, fazia sol.

E gostei. E quero voltar a provar o que provei. Porque todo mundo deve visitar um grande centro de tempos em tempos e lotar os pulmões de gente.

Vale ver vitrines (Desde que não seja em um shopping center, porque estes são os mesmos em qualquer parte do planeta, completamente previsíveis);

ouvir os vendedores de rua, experimentar as deliciosas cores e os irresistíveis aromas do Mercado Municipal;

olhar as caras cansadas de quem volta para casa no metrô, tentar imaginar como é a vida de cada um com quem passamos alguns segundos dentro de um mesmo vagão, para depois se perder e nunca mais se achar.

Em São Paulo se respira cultura, se transpira também. E se inspira.









Uma cidade assim personifica o nosso Aleph interior? Por alguns dias, com certeza.

No ato de descer a primeira plataforma, completamente sozinha, senti a coragem de Micael. (para quem não sabe, a primavera é a época de vencer batalhas internas).

Encontrar amigos que te acolhem, a cerveja gelada, os sorrisos de novos conhecidos. A despedida. E na volta solitária, o reencontro, o estar plena de vida, ouvir e dizer “te amo”.

domingo, 18 de outubro de 2009

Vida Capitosa


Yo no creo em brujas, pero que las hay, las hay.
E eu sou uma delas. Toda mulher é, principalmente após os 40. Não é suposição, mas mera constatação dos fatos.

Com o tempo, vamos aprendendo com os movimentos cíclicos da vida e ficando mais sábias. Ou pelo menos deveríamos ficar.

Existem também os adoráveis bruxos que, embora nossa cultura teime em negar, têm lá as suas intuições certeiras.

Toda esta condição favorável a mais acertos do que erros, não nos garante as melhores escolhas. Talvez porque essas, de fato, não existem. Afinal, tudo na vida é circunstancial.

Aos 20, 30, 40, seja a idade que for, sempre questionamos os caminhos percorridos. O que seria de nossas vidas se tivéssemos navegado por águas totalmente diferentes?

O que muda é o nosso olhar sobre o caminho. E, agora, no topo, para onde vamos antes de descer a colina? O que nos resta fazer? O que deixamos de fazer?

Esta angústia é ao mesmo tempo dolorosa e criadora, como todo processo pulsante da vida. Desafios, metas, mudanças, espiral do tempo.

Sempre quis me lançar ao mar em uma viagem sem rumo. Existe algo mais libertário do que a imagem de um barco navegando pelos oceanos?

Para fazer esta viagem, eu preciso de meu porto seguro. A aventura e a introspecção. O encontro e a despedida.

Movimentos tão conhecidos de todo ser humano. Ondas compassadas, descompasso e novamente o compasso.

Se existe um mistério que aponta para a felicidade, é a nossa capacidade de renascer, eternamente, renascer.

O vento Sul tem na Voz

Um quê de individual –

Como ao captanearmos no Cais

Um endereço de Emigrante,

Sugere portos e Povos –

E muito de nebuloso

Dá mais encanto – à distância –

E também ao Estranhamento

(Emily Dickinson)

domingo, 11 de outubro de 2009

Feijão Guandu



Dos sabores da minha infância, o mais forte que permanece na minha lembrança é o do feijão guandu. Todas as quartas, eu ia à feira com a minha mãe, no bairro da Tijuca, Rio de Janeiro. Feira na Visconde de Figueiredo, próxima à Alzira Brandão, famosa pelas comemorações nos jogos da copa do mundo.
Ainda me lembro do ir e vir dos carrinhos com rodinhas conduzidos pelas senhoras e meninos que ajudavam a carregar as compras por uns trocados. Minha mãe levava sacolas de pano ou de nylon colorido. E eu sonhava com o dia em que ela compraria um carrinho de feira, o que nunca aconteceu.
As paradas eram as mesmas: na barraca de peixe, as sardinhas vendidas às dúzias. Todas limpinhas, prontas para fritar ainda no almoço do dia; o caju de um vermelho intenso e aroma singular (minha mãe fazia o suco coado no pano de algodão); e o feijão guandu, medido no copo de vidro americano.
Não era raro ouvir o grito de alerta:“olha o rapa!”, anunciando aos ambulantes ilegais que a polícia se aproximava. Bastava chegar um pouco para o lado e dar passagem. Em tempos de fim de ditadura, eu, ainda sem entender o que se passava no país, secretamente desejava que os vendedores conseguissem fugir dos homens de farda.
Mais da feira não me lembro. Exceto por um homem cego que vendia bananadas e que por vezes minha mãe comprava para mim. Um dia, após longa ausência, encontramos com ele em uma rua da Tijuca. Paramos e ele disse: “- Como sua filha cresceu!” Daquele dia em diante, passei a desconfiar de que ele não era cego. E muito tempo se passou para eu compreender que temos cinco sentidos para reconhecer o outro.
A memória é seletiva. Trazemos à tona o que nos convém e damos aos fatos as cores que queremos, para o bem ou para o mal. Sorte que a maioria de nós tende a esquecer os eventos ruins e dar novo sentido as coisinhas antes sem graça do nosso cotidiano. E ainda delineamos um contorno especial às nossas aventuras juvenis, algumas até hoje inconfessáveis.
Como na música de Cesária Évora, hoje regressei no tempo, uma saudade com gosto de infância.

Mamãe velha venha ouvir comigo

O bater da chuva lá no seu portão

É um bater de amigo que
vibra dentro do meu coração

Venha Mamãe velha venha ouvir comigo
Recobre a força e chegue-se ao portão
A chuva amiga já falou, mantenha
e bate dentro do meu coração

A chuva amiga mamãe velha a chuva
Que há tanto tempo não batia assim
Ouvi dizer que a cidade velha a ilha toda
Em poucos dias já virou jardim

Dizem que o campo se cobriu de verde
Da cor mais bela porque é a cor da esperança
E a terra agora é mesmo cabo verde
É a tempestade que virou bonança


Venha comigo mamãe velha, venha
Recobre a força e chegue-se ao portão
A chuva amiga já falou, mantenha
e bate dentro do meu coração

A chuva amiga mamãe velha a chuva
Que há tanto tempo não batia assim
Ouvi dizer que a cidade velha a ilha toda
Em poucos dias já virou jardim

Dizem que o campo se cobriu de verde
Da cor mais bela porque é a cor da esperança
E a terra agora é mesmo cabo verde
É a tempestade que virou bonança

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

O Aleph



Na parte inferior do degrau, à direita, vi uma pequena esfera furta-cor, e brilho quase intolerável (...) O diâmetro do Aleph seria de dois a três centímetros, mas o espaço cósmico ali estava, sem diminuição de tamanho.
Cada coisa era infinitas coisas, porque eu a via claramente de todos os pontos do universo. Vi o populoso mar, vi a aurora e a tarde, (...) vi uma prateada teia de aranha no centro de uma negra pirâmide, vi um roto labirinto (era Londres) ... vi, ao mesmo tempo, cada letra de cada página, (...) vi numa gaveta da escrivaninha cartas obscenas (...), vi teu rosto e senti vertigem e chorei (...)"

Neste conto de 1969, o escritor argentino Jorge Luís Borges talvez tenha sido um visionário do que viria a ser um dia a internet. Todas as coisas possíveis e imagináveis observadas de uma só vez em uma pequena esfera flutuante no porão de uma casa antiga. A possibilidade quase enlouquece o personagem.

Em outro conto, A Biblioteca de Areia, Borges novamente nos remete a imagem deste mundo infinito:

“Abri-o ao acaso. Os caracteres me eram estranhos. (...) Trazia uma pequena ilustração... Foi então que o desconhecido disse: - Olhe-a bem. Já não a verá nunca mais. (...) Pediu-me que procurasse a primeira folha. Apoiei a mão esquerda sobre a portada e abri com o dedo polegar quase pegado ao indicador. Tudo foi inútil: sempre se interpunham várias folhas entre a portada e a mão. Era como se brotassem do livro. - Agora procure o final. Também fracassei”.

A nós, este mundo aberto igualmente fascina e amedronta. O quanto podemos ficar cativos a ele? Consultar o Google é um péssimo exercício para a memória. Mas quem resiste a uma espiadinha? Desvelar o passado, perseguir a notícia em tempo real. Uma atmosfera tão inconsistente, por vezes intangível, por vezes pouco confiável, e completamente apaixonante que nos faz repensar a relação espaço/tempo em nossa contemporaneidade.

Em Orlando, Virgínia Wolf descreve o seu personagem, amante das artes e das letras, ao despertar após várias “reencarnações” em uma livraria no final do século XIX. Orlando desmaia ao perceber que não mais dará conta de toda a produção literária do planeta.

Seremos seres fragmentados para todo o sempre. Olhares de prismas, faces refratárias, mente em constante movimentação. E neste grande globo, pertencemos a muitas tribos e a nenhuma. Afinal, quem consegue compreender todas as possibilidades de seu Aleph interior?

Descrevo essas sensações e penso em como conviver com esta superficialidade humana. O autor equaciona a problemática de maneira poética. A mim, resta a persistência da dúvida.

“Na rua, nas escadarias de Constitución, no metrô, pareceram-me familiares todas as faces. Tive medo de que não restasse uma só coisa capaz de surpreender-me, tive medo de que jamais me abandonasse a impressão de voltar. Felizmente, depois de algumas noites de insônia, agiu outra vez sobre mim o esquecimento”.

A Fada Verde




E este blog inicia a sua jornada nos tempos em que escrever e compartilhar o que se pensa é um ato tão democrático, quanto banal. Imagino que poucos terão paciência para me acompanhar. Mesmo assim, escrevo mais como expressão do que a necessidade de ser compreendida. Talvez uma vontade de auto-análise do cotidiano deste mundo de Corra Lola, corra!
A fada verde me veio como uma imagem de muitas possibilidades. A de traçar paralelos inimagináveis. Como astronomia e leite materno. De tudo o que meu universo possa se interessar. Beber desta fonte é antes de tudo um mergulho de alma. Coisa que modéstia parte faço muito bem. Sem amarras, sem medos, me lanço e não me prendo. Eterna aprendiz, solto minhas fadas, encarno minhas bruxas e vou à luta. Com o universo conspirando sempre, é claro.