"Absinto" é uma bebida destilada feito da erva Artemisia absinthium. Anis, funcho e por vezes outras ervas compõem a bebida. Ela foi criada e utilizada primeiramente como remédio pelo Dr. Pierre Ordinaire, médico francês que vivia em Couvet na Suíça por volta de 1792.É também conhecido popularmente de fada verde em virtude de um suposto efeito alucinógeno. Absinto, o blog, é um espaço para delírios pessoais e coletivos. Absinte-se e boa leitura.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

De onde eu advenho?


Nesta época do ano reza a tradição que haja troca de presentes e que promovamos infindáveis encontros comemorativos. Mas o que bem comemoramos nesses dias? 


A sobrevivência de mais um ano? Um pacote de promessas pela paz mundial, que ela realmente venha a partir de primeiro de janeiro como um passe de mágica? 


Buscando um pouco além da boa cerveja gelada e do indispensável panetone, o que fica para você, meu amigo? Uma sensação de dever cumprido no ano que se finda? 


Espero, profundamente, que sim.  Que este seja um momento para você se orgulhar de tudo o que fez em seu ano, mesmo que nem tudo tenha saído do jeito que você gostaria. 


O mais importante é a sua postura diante dos momentos que atravessou.


Para os religiosos, estamos vivenciando os dias que antecedem o advento, a vinda do Cristo. 


Aquele que trouxe até o mundo ocidental a promessa de amor ao próximo, a idéia do perdão e de ser perdoado. 


E você, de onde você advém? Como anda exercitando este amor e este perdão?


Em nossas limitações sensoriais, carnais e emotivas, cada um de nós temos lá o nosso bocado de bons momentos.


Todos nós temos nossas virtudes que merecem ser destacadas e valorizadas. 


E temos os nossos defeitos que merecem ser trabalhados e superados em nome das nossas virtudes. 


Para que o que há de melhor em nós possa sempre ser mais evidenciado do que nossas atitudes não tão santas. 


Não para que sejamos apontados com bons meninos e boas meninas, mas para que possamos ver nascer em nós um sentimento sincero de pertencimento à humanidade.


E quero deixar esta diferença marcada pelo sentimento, aquele, que um dia, declamou Adélia Prado:


Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
"Coitado, até essa hora no serviço pesado".
Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.

Um feliz Natal !

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Crianças necessárias

Uma relação de pais e filhos construída pelo significado do gesto
Outro dia assistia uma palestra na escola do meu filho, onde também estava presente minha mais nova amiga, Nina Veiga. E foi dela que ouvi pela primeira vez a expressão crianças necessárias. 


O termo foi a melhor definição encontrado por Nina para descrever o envolvimento da criança no contexto familiar. 


Responsável por cursos de formação de professores e cursos de acolhimento para pais, Nina desenvolve estudos sobre a participação efetiva da criança nas tarefas diárias do mundo que a cerca.


Após a segunda guerra, as crianças começaram a ser percebidas de outra maneira em seus lares. Pela primeira vez elas foram ouvidas.


Dentro deste cenário, a humanidade iniciou um processo de valorização e de preservação da infância. Assim, o combate ao trabalho infantil passou a ser um dos pilares dessa nova visão de mundo. 


“A educação pedagógica está se especializando na infância, tendo esta fase como um momento importante do ser. Porém, tudo tem o seu efeito colateral. Não sabemos como lidar com esta criança”. 


Para a educadora, o cuidar da infância nos dias de hoje resumiu-se ao entretenimento do tempo infantil. “Não podemos preencher a vida de alguém, se esse preenchimento não tiver um sentido, um significado do ato”.




Ou seja, colocar o seu filho em aula de inglês, informática, judô, balé e futebol é realmente preencher a vida dele? Ou será que estamos apenas cumprindo agendas para ocupar nossos filhos enquanto fazemos coisas mais importantes e não sabemos o que fazer efetivamente com eles dentro do nosso tempo?


Qual é realmente o papel desta criança dentro da família?


Minha mãe, uma senhora de quase 77 anos, diz que proibir crianças de trabalharem é uma coisa muito burra. E aí vem todo o discurso de que ela cresceu trabalhando e que por isso ela aprendeu a gostar.


E não é que ela está certa? Aqui ninguém vai fazer apologia ao trabalho infantil em canaviais ou de vender balas nas esquinas. Mas e o trabalho dentro de casa, dentro do contexto familiar?




Colocar um caixote na beira da pia para que seu filho lave a louça enquanto você faz o almoço pode ser uma experiência muito gratificante para ambos.


E o que dizer da alegria indescritível de ver seu filho fazendo pequenos consertos com o pai ou fazendo um caramanchão no quintal?




Crianças aprendem com a imitação. E com o significado do gesto. É outra coisa que Nina me exemplificou muito bem quando conversamos. 


Imagine agora que você está me vendo sentada em uma cadeira olhando para frente. O que eu estaria fazendo? Lendo um livro? Assistindo TV? Checando e-mails? Não é possível decifrar, não é mesmo?








E agora, se eu estiver mexendo os braços como a varrer ou a pintar ou fazendo a massa de um bolo? Mais fácil imitar esse gesto, não?





O que a revolução pós Segunda Guerra nos ensinou é a preciosidade da infância. Agora, vemos uma adolescência e uma juventude com um sentimento de não pertencimento familiar. 


Nós pais as ensinamos a ficar distantes porque não eram necessárias. E agora, quem não é mais necessário?


A maternidade nos ensina a duras penas que precisamos ceder. E como cedemos. Não é mais todo programa que podemos participar, quantos livros abrimos mão de ler, quantos filmes, quantas conversas.


Porém, os filhos não enxergam esses gestos. Eles enxergam às vezes que sentamos ao chão e brincamos com eles, os livros que lemos juntos, as vezes que andamos de bicicleta junto com eles, quando costuramos ou bordamos uma roupa especial para uma fantasia.







Ou seja, quando ocupamos o nosso tempo com o tempo deles em um tempo de vida viva juntos.


O que precisamos é reaprender a curtir cada momento no seu tempo, para preencher as nossas vidas e as vidas de nossos filhos de boas e eternas lembranças.



sábado, 11 de dezembro de 2010

Desconectada.com

Retrato da ansiedade

Entra ano e sai ano é a mesma correria.

Recebi um e-mail de uma amiga outro dia, dizendo que este consumismo desenfreado típico do fim de ano é coisa do demo para nos afastarmos do verdadeiro espírito de Natal. Sabe de uma coisa, eu não duvido.

Mas por eu estar na estatística dos 2 % da população mundial para quem comprar apenas pelo prazer do consumo não está com nada, ainda me resta vivenciar toda a inquietação do que chamo de “Sídrome do 31 de dezembro”.


Até lá, todos os relatórios devem ser devidamente preenchidos, todos os projetos finalizados, confirmar a participação em inúmeros amigos-ocultos, confraternizações e etc e tal.

Este ano não está sendo diferente. E, no ramo em que atuo, eu não só participo de muitas confraternizações, mas as organizo.


Não que eu não goste do que eu faço.  Porém, só neste mês, a lista de afazeres inclui:

- um culto ecumênico
- uma missa
- um vídeo
- dois tipos de cartões para serem devidamente etiquetados e enviados
- brinde de fim de ano
- festa beneficente
- árvores para arrecadação de brinquedos em agências bancárias da cidade
- tudo isso com a devida divulgação e cobertura de texto e de foto 
- encerrando a temporada com um informativo interno.

Bacana né? Eu adoro. Gosto mesmo. Mas cansa.

E sei que não sou privilegiada neste festival de ansiedade. Em todos os empregos, em todos os lares, os relógios enlouquecem e correm como loucos.


E tudo o que eu queria era ficar em casa com os meus, deixar os pés descalços neste calor dos trópicos, tomar algo refrescante e ouvir uma boa música.

Por isso há dias tento não ligar o computador na minha casa, tento não falar ao telefone e só ligo a TV para o noticiário da manhã. É uma espécie de exílio de sobrevivência. 


Precisei ficar exilada até das coisas que mais gosto, como este blog e dos blogs dos amigos, para preserva a minha vida particular e dar a devida atenção à família.

Bom, acho que este é o verdadeiro espírito de Natal, não é mesmo?

Para exemplificar o que estou querendo dizer (embora tenha a absoluta certeza de que não seja preciso, mas fica apenas como um aconchego poético), cito Adélia Prado:

Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
"Coitado, até essa hora no serviço pesado".
Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo
.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Minha idéia é meu pincel - A festa do boi manhoso

Antônio Poteiro - Bumba-Meu-boi

- Meu boi, meu boi, vamos dançar?
- Dançar na chuva?
- Aí é que é bom.
- Tem muita gente.
- Eu gosto de gente. Gente colorida, alegre.
- Gente sem dente, gente mal vestida.
- Meu boi, meu boi, essa gente, é o nosso povo! Sou eu, sou você.
- Eu não! Eu sou Rei!
- Você, meu querido, é rei deste povo!
- Gosto não. Crianças remelentas ficam ralando a mão em mim
- Mas te enfeitam com flores, brocados de ouro, manto dourado a te cobrir    
   com capricho.
- E esses jacarés, o que fazem na minha festa?
- São seus guardiões, meu Rei!
- Tem violeiro?
- Um montão.
- Então eu vou. Só porque gosto de música.


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Este quadro me deu imenso prazer em descrevê-lo. Salve mestre Poteiro! A mistura de costumes da tradição oral vindas das terras lusitanas, unidas à realidade brasileira de negros e índios, nos deixa como herança este colorido. Um retrato da nossa cultura formada de tantos povos, traduzida nas ruas de tantas cidades. Minha ideia é meu pincel. Quer participar? Vá ao blog da Glorinha de Lion e entre nesta brincadeira!

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Minha idéia é meu pincel - Frida Kahlo

Frida Kalo - Auto-retrato

Este é meu retrato. Homem e mulher.

Personagem andrógeno, um enigma.

Mas, não. Não perca tempo tentando me desvendar.


Entre as matas intransponíveis deste meu antigo México, também sou eu indecifrável.

Sou muitas, sou muitos, sou mito transgressor.

Mergulho em uma realidade fantástica.


Para os outros.


Para mim, tudo o que me cerca é passível da mais pura verdade.

Em perfeita harmonia declaro amor eterno à irreverência.

A normalidade do meu ser é não ter parâmetros que me reduza.

Adoro meu mundo caótico e pragmaticamente imprevisível.

Dentro do meu universo inventado, tudo percorre na mais perfeita desordem.

Auto-retrato.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Infinitudes

Evoco o dicionário em nome da sonoridade que algumas palavras me provocam

Gozo, sorver, parideira, alumiar, cortesã, febre terçã, afago,chamego,fagueira 
provar, gotejar, orvalho, botica, patuá, à lenha, riacho, tacho, caritó, aluada, aroma, manjerona, cromático, bica d´água, pororoca, iguapé, pirilampo, potiguá, pimenteira, incrustado, costados, arrecifes, marola, ventarola, piquenique, argumento, sinfônica, beijo, opaco, conta-gotas, bergamota, laranja-cravo, tangerina, santidade, pecadora, açucarada, apimentada, doce, esguia, pincelada, avoada, amendoeira, corredeira, abricó, pharmácia, tortilha, serena, perdigueira.

É com gosto que permito que saiam de minha mente, um cortejo harmônico, promovem uma corredeira de emoções, evocam sentidos. Um bem-falar, um bem-me-quer. 

O experimento da letra acaricia meus desejos, aquieta o coração. Às vezes penso, teria eu um caminho diferente do que tecer parágrafos para todo o sempre? O ato de escrever me é dolorosamente inerente.

Oratio vultus animi est, "O discurso é o rosto da alma"

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Minha idéia é meu pincel - Mulheres azuis

Edgar Degas Les Danseuses Bleues
Elas eram todas iguais.
Sensualmente iguais
Sensualmente azuis

Corpos esguios
Peles sedosas

Cabelos presos em delicados e irretocáveis coques
Como convêm aos mais belos corpos de baile

Ousadia de olhares
Precisão de movimentos

Desprovidas de vergonhas
Despidas de vontades

Apenas azuis

Perfeitamente intocáveis
Perfeitamente inatingíveis

Como convém a um corpo de baile

Após o espetáculo, a menina que nunca suportou a mesmice do rosa,
Bordou um rosado em seu tule e sai para o mundo

Desfrutando o prazer de ser curva, desengonçada, autenticamente mulher.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Dias de colheita

Minha relação com a água já ficou evidente por aqui.
Mas tenho que dizer. De tanta chuva, estou de alma renovada.

Há muitos anos passei por um momento profissional difícil.
Era aquele tempo em que estamos no começo de carreira e precisamos provar a todo instante a nossa capacidade.

Nesta época, falava sempre para mim mesma: o mundo gira e a lusitana roda. Este era o meu mantra de todos os dias e de todas as horas.

Não sei bem o significado dessa expressão, mas soa como dizer, tudo muda, tudo passa. E passou.

Estes dois últimos anos também têm sido de muita indefinição no meu cotidiano.


Tanto que, não tendo muito por onde extravasar, vim parar aqui na blogosfera.

Escrever, então, era como se eu abrisse uma janela no 15º andar de um prédio e gritasse para todo mundo minhas angústias e dissabores.

E veio o período das chuvas e com ele a renovação dos meus caminhos e desejos.


De repente, vários sonhos guardados na gaveta começam a ganhar força e todo o universo conspirar a meu favor.

Ainda existem muitas angústias sem respostas, mas algumas coisas lindas começam a se concretizar.

E eu fico pensando, como somos pessoas de pouca fé. Não, não a fé religiosa, mas a fé no pensamento. Fé no plantar e no colher.

É impressionante como tudo que mentalizamos ganha contorno e sentido. Às vezes não do jeitinho que imaginávamos, mas, de repente, o que pensávamos ser impossível, se realiza.

Esta colheita de vontades demora. Até porque o nosso querer também demora a ser compreendido e por nós mesmos confirmado.

O mundo gira, a lusitana roda. Quando não encontramos mais saída, devíamos sempre pensar assim. Mas quem em pleno olho do furacão pode ser tão sensato?!

E, para falar a verdade, como é bom esse desespero pujante de vida.
É como briga de amor, quando se resolve.

Hoje estou em dias de nuvens brancas e suaves. Dançando e brindando meus dias de trégua.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Minha idéia é meu pincel - Águas de Contenda

Georgia O'Keefe - The Waterfall 



Quem vê em mim uma pessoa mansa


Digo que sou mansa como as tempestades


Quem vê em mim tranqüilidade


Digo que sou correnteza brava


Engana-se quem em mim pousa os olhos e vê quietude


Nada em mim é constante


O que me instiga é a possibilidade de mudança


Quando ela não chega, eu a invento


Altero percurso e sigo em meus devaneios


Ansiosa


Para depois quedar lânguida nos braços de quem me ama.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Lume-pronto


Mas que bonitas as cores destas lanternas

Exibem na minha frente uma dança enigmática

Luz que aquece sentimentos

Coração chega a palpitar

Tum Tum

Respiração ofegante

Onde estou? Apenas sigo a luz do fogo

O fogo queima

Ui ! 

Queimadinho bom.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Toada para Berenice

Summer Flowers por Elaine Jackson

A fadiga bate a porta
Sono intenso,
barulho de formiga incomoda
Olhos cerrados
Pensamento não tem pouso


Rasgo a carta de navegação
Não há rumo porque este independe das minhas escolhas
Os sonhos desfeitos me lembram a Menina e o Leite
Sigo impotente deixando que o acaso semeie o meu caminho


Aí conheci Berenice.
Menina de seis anos, em fila de adoção
"Tia, tá doendo". Dor de dente


Uma semana à base de analgésicos. Nenhum tratamento
Ganha cuidados de dentista amigo. O dente já em estado de putrefação


Volto para casa.
Berenice no abrigo dorme hoje sem dor


Não sou do tipo que julga a dor maior de um com a dor menor do outro
Todas são dores, cada um constrói e destrói os seus fantasmas


Mas por horas meus desalentos ficaram pequenos
Eu rezo por Berenice

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Minha Idéia é meu pincel - Belo estranho

Paul Klee - The Rose Garden

primeira vez que vi um caleidoscópio tive a plena sensação de ter encontrado o sentido da vida.

Aquelas belas figuras ofereciam para mim a promessa de mudanças sem fim. A cada quadro, uma nova e surpreendente cena tomava cor e forma.

Demorou algum tempo para que eu percebesse que a roda da vida gira e se repete. Mas o encontro na mesma rua nunca será o mesmo.

O belo estranho me fascina. Sou como um gato vadio que necessita correr pela cidade por entre ruelas e serenatas.

Mas, ainda que me perca em labirintos, retorno ao território conhecido.

A cada pessoa que conheço renasce em mim as esperanças pela humanidade. 

Todos são belos, todos. Com seus contornos definidos em prismas de almas facetadas que prometem, sempre, novas revelações para quem tem olhos de ver e dedos para sentir.

Gosto de passear por este caleidoscópio de pessoas e paisagens. Em cada caminho, tento semear um pouco de mim e levar um pouco e tudo. No entanto, costumo pagar pelo excesso de bagagem.

Pouco me importar, desde que possa mirar e aprender com o novo e renascer possuída de um novo encantamento. 

Em minhas estradas, por vezes brotam rosas perfumadas e repletas de espinhos. São provas da minha existência. Nem santa, nem de toda pecadora. Nem certa, nem errada, apenas errante.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Minha idéia é meu pincel - Inundada em cores


Irises in Monet's Garden


Pretendia dizer eu ao ilusório que ele estava enganado ao meu respeito.
Sou feita de terra, não é qualquer sonho que me faz divagar.
Por outro lado, trago em minha essência um gosto constante pela curiosidade das coisas.
Foi isso que me fez provar o apetitoso pãozinho coberto de açúcar e recheado de anis.
Em sua borda, as inscrições “Coma-me” levaram-me ao mundo de Alice.
No entanto, era o desafio da esfinge que me intrigava: “ou devoro-te”.
Atravessei o jardim embriagada pela fragrância das flores. 
O lago ao fundo prometia. Mas o gostoso mesmo era perder-se nas matizes e entre tons.
Voltei para casa trazendo no corpo um cheiro de erva-doce.



Leitores, esta é uma participação na Blogagem Coletiva  proposta pela Glorinha de Lion em seu blog. A proposta é escrever o seu sentimento sobre um quadro escolhido toda semana. A brincadeira começou.
 Quem quiser participar, é só dar uma passadinha no blog dela.
Esta foi a minha viagem pelo quadro de Monet.

domingo, 24 de outubro de 2010

De salto alto




Passou batom
Usou perfume
Vestido de seda
Salto alto
Entrou na festa com olhar de perdigueira
Resoluta.
Buscou a caça.
Ao telefone o encontro era certo.
Não estava
Desencontro? Vó doente? Dor de dente?
Atropelado, seqüestro-relâmpago, morte de parente?
A noite perdeu o brilho, ela perdeu o brilho.
Desencantada, Cinderela volta para casa.
Pelo retrovisor do carro a cena do cara. Nova namorada.
48 horas de luto. 
De nada adianta o consolo dos amigos
Choro compulsivo, pensamentos suicidas
No espelho procura pelas respostas:
Sou gorda de mais? Magra de mais? Alta, baixa, quieta, atirada?
O que tem de errado comigo?
No domingo, sol de Ipanema
Telefone toca, convite de amiga.
Põe seu biquíni novo, óculos escuros, saída de renda
Tira o salto.
Do alto de sua rasteirinha, encontra novo amor, tomando água de coco.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Segredos de menina



Todas as manhãs quando acordava, permanecia alguns minutos ainda deitada na cama de olhos fechados apenas com a sensação gostosa de ouvir vozes na cozinha de minha avó. Sempre me punha a imaginar que escutaria dali um segredo de família que nunca houve. Entre as frases recortadas seguia-se o cheiro do café que desde menina minha mãe me ensinou a apreciar.

Eram férias de verão. A casa de minha avó não tinha forro. No teto, era possível ver as telhas e ouvir, por vezes, sons de morcegos que sobrevoavam a noite. Os visitantes, mesmo não sendo freqüentes, rendiam histórias sem fim entre os primos e primas já debaixo dos cobertores.

Em janeiro sempre chovia. E nas tardes de chuva intensa, nossos olhos seguiam pregados nas janelas atentos aos rios e lagos que se formavam pelas ruas. Ficávamos a calcular em uma matemática ainda não aprendida qual o melhor local para darmos um grande salto, capaz de molhar quanto mais pudéssemos o nosso corpo.

O tempo também se media pela quantidade de barquinhos de papel que conseguíamos produzir para lançá-los após a chuva intensa. Muitos afundavam antes da curva na rua de baixo. Outros seguiam heróicos pelos caminhos da enxurrada, enchendo de orgulho o seu construtor.

São histórias singelas de uma infância querida, na qual a passagem das horas era medida pelo matar da fome, da sede e do sono e por insistentes apelos dos tios e tias para tomarmos pelo menos um banho por dia.

Relógio de criança é diferente.

Hoje, se eu fosse uma maçã, me dividiria em pedaços iguais:

1/3 para meu trabalho 

1/3 para ser mãe 
1/3 para me apaixonar 
1/3 para conhecer o mundo
Outro pedaço para ler, outro para fazer nada, outro para aprender a desenhar, outro para dançar, outro para minha aula de canto, outro para comprar um vestido novo, outro para sair com os amigos, uma lista sem fim.

Sinto que não sobrou maçã e ainda tenho um bocado de aventuras a serem vividas.

Complicando ainda mais esta equação, há dias em que quero ser inteirinha uma maçã moleca, pronta para vadiar, em outros me dá uma vontade danada de reunir amigos. Há dias de querer estar só e divagar com meus mil pensamentos.

Em todos os dias sou uma alma fracionada. Deliciosamente imprevisível, atrapalhada com tantos afazeres e possibilidades, derrotada pela percepção de   viver imersa em uma ampulheta de areia, transgressora com apetite de virar à mesa e fazer tudo diferente. Feliz com algumas rotinas, como gato vira-lata que sempre volta ao aconchego do lar.


Saudades do café de minha vó.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

À margem do rio

Certa vez em viagem com amigos, daquelas que você guarda para sempre as imagens nos olhos da alma, conheci Rita. Uma paraense para lá de especial. Mulher madura, criava os filhos sozinha, após um casamento que não era para ser. 


Menina de sorriso largo que só quem já venceu muitos obstáculos nesta vida sabe que não vale a pena ficar triste por mais do que alguns instantes. O suficiente para lubrificar a visão e traçar nova rota de existência.


Estávamos todos reunidos na beirada de um deck em uma pequena praia no litoral de Paraty. Era noite e a conversa girava em torno de amores desfeitos, realizações da vida e, certamente, do encantamento de estarmos em um lugar tão mágico, com estrelas em nossas cabeças e o mar aos nossos pés. Além da nossa voz, apenas o burburinho gostoso do oceano.


“Na sua cidade tem rio?”, alguém me perguntou. “Sim, tem um rio que corta toda a cidade”. Passaram-se alguns instantes para Rita, acredito, tentar formar em sua cabeça a geografia de um rio cortando uma cidade. 


Após um breve silêncio, ela me disse: “Desculpe eu perguntar, mas o rio que você fala, de um lado você consegue enxergar a margem do outro lado? ” Sim, claro que sim ”, respondi. “Então, você não conhece um rio. Rio, na minha terra, é aquele que você pode levar até dias para alcançar a outra margem”.


Rita falou com conhecimento de causa. Não era uma empáfia, era a verdade. O parâmetro de rio para ela era a de uma água sem fim.


Foi a minha vez de ficar criando imagens de um rio sem margem. Deveria ser grande, deveria ser sublime, deveria ser sagrado.


Em instantes o rio da minha cidade ficou pequeno, bem pequeno. É um rio poluído, é claro. E pensei no dia em que chegarei a ouvir a pergunta: " Na sua cidade tem água?"


Todas as fotos publicadas na National Geografic de crianças africanas que levam uma vida sub-humana pela falta de água me vieram à cabeça, bem como me saltou à lembrança a trajetória dos personagens de Vidas Secas, de Graciliano Ramos. Baleia era o nome da cachorra da família de retirantes no sertão nordestino. Aos filhos, nem certidão, nem nomes, apenas filho mais velho e filho mais novo. Ironias de poeta para retratar um mundo de desesperança.




E depois de toda aquela secura, choveu em mim. Todas as chuvas de verão que eu havia saboreado em minha vida, todos os banhos de rio com margens, todos os mergulhos no mar.


Chorei toda aquela noite e decidi chorar por todo um ano para que nascessem na África e em terras brasileiras, começando bem no norte de Minas, rios caudalosos.



Faria, então, um imenso barco de papel jornal, estampado com notícias sobre políticas e corrupções, e navegaria com os filhos mais novos e os filhos mais velhos deste planeta azul, em busca de uma margem do outro lado, que nunca se alcançasse, visto a largura de nossas esperanças.


Este texto é minha contribuição para o Blog Action Day 2010 cujo tema deste ano é a água.