"Absinto" é uma bebida destilada feito da erva Artemisia absinthium. Anis, funcho e por vezes outras ervas compõem a bebida. Ela foi criada e utilizada primeiramente como remédio pelo Dr. Pierre Ordinaire, médico francês que vivia em Couvet na Suíça por volta de 1792.É também conhecido popularmente de fada verde em virtude de um suposto efeito alucinógeno. Absinto, o blog, é um espaço para delírios pessoais e coletivos. Absinte-se e boa leitura.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Absinto de Outono


Todo início de outono me lembra o Rio de Janeiro. É aquele tempinho ameno, o sol se despedindo, um calor gostoso e suportável. Época boa para se ler um bom jornal à beira da praia tomando água de coco.
O Rio é cidade democrática. É possível realizar passeios inesquecíveis com poucas moedas. Ainda é assim, porque a natureza não cobra do observador.
Em caminhadas matinais pela Floresta da Tijuca, é possível sentir o cheiro de café feito nas casas dos administradores logo cedo, fumaça saindo pela chaminé, cenário improvável. Nas curvas da mata, caminhos nos convidando a se perder para o todo sempre.
Esqueça o Cristo. E pelo amor de Deus, esqueça os shopping centers !!!

Para compreender bem o que disse no parágrafo anterior, o Cristo para o carioca é uma benção constante. Não precisamos visitá-lo. Ele nos visita a cada instante, enquanto percorremos a cidade.
Vá mais à adiante, fuja do lugar comum. Veja de um ângulo só seu. O por-do- sol mais bonito que você vai encontrar no Rio, não está em Ipanema, mas saboreando um chopp no Garota da Urca.


Passear pelo centro do Rio em um fim de semana é outro programa a parte. Ande pelas ruas olhando para cima. Todos os anos de império e da velha república ainda estão lá, acredite.
E se você for até Realengo, Vila Isabel, Campo Grande, ainda vai encontrar por lá casas com quintais repletos de frutas no pé.
Domingo na Lapa famílias inteiras ainda se reúnem para a tradicional macarronada. Quer saber aonde? Elas juntam as mesas nas calçadas para o grande banquete.
Os casarios do Bairro Peixoto e do Cosme Velho são um capítulo à parte. Santa Tereza também é.
Espere um pouco. Santa Tereza não. Isto é pouco para este lugar tão especial, tão único. Santa é um livro inteiro de possibilidades. Talvez a cidadezinha do interior mais cosmopolita do planeta.
A vista da Avenida Niemeyer à noite é inebriante. Uma noite por lá também pode ser. Quem conhece, sabe do que estou falando.
Posso eternamente preencher páginas sobre o Rio e seus lugares secretos. Mas o que me interessa dizer é que existe uma cidade preciosa por entre carros e poeira, prédios e concreto. Ela ainda está lá. Exuberante, para quem tem olhos de ver e fome de sentimentos.

sábado, 27 de março de 2010

Mil objetos em um baú de madeira

Do meu avó paterno, herdei o gosto pelas coisas míticas, pela arte em madeira, um banquinho e um velho baú.

O banquinho sumiu no meio dos meus anos sem deixar rastro. O baú, ainda cumpre o discreto papel de guardar segredos.

Dele posso tirar um vestido preto que só a mim revela lembranças inconfessáveis. A primeira roupa do meu filho, um álbum antigo de fotos de família, uma caixa aonde guardo antigas cartas desde o tempo de colégio.

O baú de meu avô tem tesouros só meus, como pedrinhas retiradas do riacho, lembrança do dia mais feliz de minha infância na fazenda – o primeiro banho de cachoeira sem biquíni aos oito anos de idade.

De um lado do rio, mulheres e crianças, do outro, os homens. Entre eles, uma montanha intransponível vigiada pelos mais velhos com rigor de quem guardava as muralhas da China. Milho assado na fogueira, passeio a cavalo, coisas do interior.

Cada peça me remete a outra fração da minha memória. A primeira vez no leme de uma embarcação, as cachoeiras de Teresópolis, verão em Ibitipoca, outono em Abrolhos, aonde fiz meu primeiro mergulho noturno, inverno em Ouro Preto, todas as estações com toques de primaveras.

Lembro da cada passagem com carinho. As boas e as más. Engraçado como que com o passar dos anos essas últimas vão se desbotando e as primeiras ganham uma tintura especial. E as ruas vão ficando maiores, os rios mais cheios e as pessoas da nossa caminhada se tornam únicas.

Ao mexer neste baú, fico pensando se meu avô, quando deixou este legado, imaginava o quanto esta peça utilitária de tempos em tempos revolveria a minha alma.

E como Augustine no filme Uma vida iluminada, descubro que revolvemos a alma pela simples razão da existência dos acontecimentos. Objetos, imagens, renovam o prazer de se sentir viva.

sábado, 20 de março de 2010

Volevo un gatto nero !


Tenho um amigo que volta e meia usa a seguinte frase: “Eu quero agora e é de morango!” para designar aquelas pessoas que solicitam alguma coisa em tom de exigência e ainda escolhem o sabor. Como meninos caprichosos.

O mundo está pleno de pessoas assim. Posso listar algumas que se quer evoluíram do egocentrismo infantil. Costumo brincar com meu filho: olhe ao redor do seu umbigo e veja se há algum planeta girando em torno dele !

Tudo bem que com sua vibrante imaginação ele consiga até ver detalhes e contornos de algum astro fictício na órbita de seu lindo ubiguinho. O perigo é ele crescer e continuar acreditando nisso.

No toma lá dá cá da vida, encontramos muitos de nós com a prática do só faço isso se você fizer aquilo. E perdem a essência do vivenciar junto. O desapego, o fazer por fazer. A troca espontânea é rara. É obvio que as pessoas se relacionam porque pressupõe trocas. Mas a exigência é perigosa.

Aprender a dizer não é tão difícil quanto a digerir um não. Compreender que certas parcerias não são possíveis, simplesmente porque não satisfazem amplamente os lados. E nem por isso outras parcerias não serão concretizadas, até entre as mesmas partes.

Lembro-me que quando era bem pequenina, uma prima distante veio me visitar nas férias. Brincamos juntas como siamesas até o momento em que ganhamos presentes iguais, mas de cores diferentes. Um era rosa, cor que as duas, embora meninas, abominavam. A outra, objeto do nosso desejo, azul. Nossa linda amizade se desfez naquele verão porque colocamos todo o nosso querer e gostar em uma simples espreguiçadeira de plástico comprada nas Lojas Americanas.

Foram dias até que o bico se desfizesse. Tenho que confessar que a errada era eu, a quem o destino havia reservado, na escolha, a espreguiçadeira cor de rosa. Hoje rio da história, embora, como qualquer ser humano, ainda cobice e relute em aceitar as parcerias não possíveis.

Para ilustrar esta nossa incapacidade, deixo este delicioso clip italiano com uma graciosa cantiga infantil.






Un coccodrillo vero,
Un vero alligatore
Ti ho detto che l'avevo
E l'avrei dato e te.
Ma i patti erano chiari:
Il coccodrillo a te
E tu dovevi dar
Un gatto nero a me.

Volevo un gatto nero, nero, nero,
Mi hai dato un gatto bianco
Ed io non ci sto più.
Volevo un gatto nero, nero, nero,
Siccome sei un bugiardo
Con te non gioco più.

Non era una giraffa
Di plastica o di stoffa:
Ma una in carne ed ossa
E l'avrei data e te.
Ma i patti erano chiari:
Una giraffa a te
E tu dovevi dare
Un gatto nero a me.

Volevo un gatto nero, nero, nero,
Mi hai dato un gatto bianco
Ed io non ci sto più.
Volevo un gatto nero, nero, nero,
Siccome sei un bugiardo
Con te non gioco più.

Un elefante indiano
Con tutto il baldacchino:
L'avevo nel giardino
E l'avrei dato e te.
Ma i patti erano chiari:
Un elefante a te
E tu dovevi dare
Un gatto nero a me.

Volevo un gatto nero, nero, nero,
Mi hai dato un gatto bianco
Ed io non ci sto più.
Volevo un gatto nero, nero, nero,
Siccome sei un bugiardo
Con te non gioco più.


I patti erano chiari:
L'intero zoo per te
E tu dovevi dare
Un gatto nero a me.

Volevo un gatto nero, nero, nero,
Invece è un gatto bianco
Quello che hai dato a me.
Volevo un gatto nero,
Ma insomma nero o bianco
Il gatto me lo tengo
E non do niente a te.

sábado, 13 de março de 2010

Você tem Índice de Valor Humano?





A cena está no filme e no livro Caçador de Pipas. O patriarca, Omar, sai literalmente no braço com o dono de uma quitanda de um bairro do subúrbio novaiorquino. O motivo? Omar não compreende como o comerciante se recusa a lhe vender fiado, já que é seu freguês de todos os dias, e lhe pede que faça a compra com cartão de crédito.

Omar é imigrante ilegal. Homem de muitas posses em seu país, veio para os Estados Unidos fugindo da guerra civil no Afeganistão. Em Cabul, todos os comerciantes vendiam a ele apenas na confiança, certos de que o pagamento viria no final de cada semana.

Minha avó dizia, que seu avô contava, que no tempo deles também era assim. O homem honrado e seu fio de bigode valiam mais do que qualquer papel registrado em cartório.

Hoje, os códigos de conduta não se baseiam mais na palavra empenhada. Tanto que em uma pesquisa realizada pela ONU em 2009, muitos dos brasileiros entrevistados citaram os valores morais como um dos principais itens que precisariam mudar no país para melhorar a vida do cidadão.

Em São Paulo, os valores ficaram em primeiro lugar entre todas as respostas. Por isso, a ONU decidiu fazer uma pesquisa específica para identificar que valores são esses.

A pesquisa vai até o final de maio de 2010. Os resultados vão criar um novo parâmetro para as Nações Unidas: o IVH, Índice de Valor Humano.

Então, vamos tirar as teias de aranha daquele “Livro das Virtudes, que em algumas famílias costumam passar de geração a geração, e que ainda pode ser encontrado nas melhores lojas do ramo, e começar a pensar quais valores você acha que não podem faltar em sua vida.

Na minha lista, o primeiro deles é o respeito. Sempre achei que respeitar o próximo, a vontade do próximo, o momento de silêncio e de euforia do outro (Sem que isto signifique sua negação pessoal, é claro), é o principal alicerce para qualquer tipo de relação.

E não podem faltar a verdade, a honestidade, a solidariedade, o companheirismo, a compaixão. São palavrinhas capazes de revelar o caráter de quem você convive e que vão formar o seu Índice de Valor Humano.

Bom, não sei bem como a ONU vai mensurar isso, e também não sei bem que utilidade prática isso terá. Mas achei interessante essa presença de espírito dos tais pesquisadores. Demonstra, no mínimo, sensibilidade.

Um brinde aos valores. Que sejam renovados, relembrados, e, sobre tudo, praticados.

domingo, 7 de março de 2010

Para relembrar e pensar



Imagino como serei eu, uma jovem senhora aos 63 anos. Não penso em subir aos palcos. Prefiro permanecer longe dos refletores e me esconder atrás das letras, enquanto isso me der prazer e ainda for capaz de inspirar alguém para a minha leitura.


Mas confesso que saber amadurecer é uma arte dolorosa. O corpo se esvai, a mente ganha outros contornos e desafios.

Um corpo preso aos valores ditados pelos profissionais da beleza inspira falsidade. Porém, atire a primeira pedra quem não compraria o elixir da eterna juventude.


Em 23 de agosto de 1945, nascia na cidade de Turim, Itália, aquela que viria a ser um desses sucessos internacionais indiscutíveis. Gostando ou não, quem está neste planeta desde os anos 60 e 70, em algum momento curtiu Datemi um martello.

Quebrando tabus, a menina de cabelos ruivos escandalizou o mundo ao assumir o romance com seu produtor e descobridor, o cantor italiano Teddy Reno. Teddy era casado na época com Livia Protti e não existia divórcio na Itália até 1970. Em 1971 Rita e Teddy se casaram oficialmente.


Estes dias, recebi de uma amiga um vídeo com aquela que seria a última apresentação oficial de Rita Pavone.


Em 2006, aos 63 anos, Rita fez seu show de despedida, revelando um corpo belíssimo para a idade e com uma qualidade vocal invejável.


O que mais me surpreendeu nesta mulher, não foram os contornos lapidados clinicamente e cobertos pelo provocante vestido preto. Antes, me inspira a força de sua interpretação, revelando uma energia vital invejável.


Talvez aos 63 anos eu prefira estar bem mais recatada do que Rita, não sendo a minha a mesma natureza que a dela. Talvez prefira observar os pássaros e cantar antigas canções enquanto preparo um bolo para o lanche dos netos, quem sabe.


Embora não me incomodem algumas rugas que irão surgir no meu rosto, as quais não pretendo esconder, espero estar com saúde e com alguma beleza aos olhos do meu espelho e de quem ainda comigo conviver.


Quero, no entanto, guardar com carinho a vitalidade de Rita e nela me inspirar para novos recomeços.