"Absinto" é uma bebida destilada feito da erva Artemisia absinthium. Anis, funcho e por vezes outras ervas compõem a bebida. Ela foi criada e utilizada primeiramente como remédio pelo Dr. Pierre Ordinaire, médico francês que vivia em Couvet na Suíça por volta de 1792.É também conhecido popularmente de fada verde em virtude de um suposto efeito alucinógeno. Absinto, o blog, é um espaço para delírios pessoais e coletivos. Absinte-se e boa leitura.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Os cinco minutos de história


Ardentia do Mar

Contar histórias é um dom que invejo e almejo. Aquele contar despojado de quem faz de uma boa história até o beber de um copo d’água. São pessoas que têm prazer na conversa presencial, sem pressa, coisa rara em tempo de smartphones. São pessoas que observam o outro, e em cinco minutos conseguem absorver o que o outro gosta de comer, vestir e como pensa. E daí puxa a prosa.


Gosto de gente que gosta de gente. Tenho uma prima assim. Faltando pouco menos de dois meses para completar um ano de casada, meu pai faleceu. Minha prima, uma das madrinhas, veio me visitar. Viagem de ônibus, malas e no colo um delicado vaso de lisiantus iguais aos que usei em meu buquê de noiva. Gentileza de quem enxerga o outro. Só por isso, teria razões para amá-la o resto de minha vida e terei com ela ainda mais histórias a compartilhar.


Acabamos de voltar de férias na praia e por lá cresceu um desejo de mostrar ao meu filho e ao meu marido um fenômeno que vivenciei há alguns anos. A ardentia do mar, como chamam os marinheiros, causada pela luz incandescente dos planctos. É com caçar Saci, cheio de rituais, mas existe. Só se pode ver à noite, em épocas quentes, e em noites sem lua. É preciso mexer a água para que ela apareça.


E foi aí que encontrei um ex-pescador que hoje explora esportes aquáticos como caiaque, stad up, entre outros. E perguntei a ele se conhecia a incrível luminosidade. Ele disse que sim e me deu dicas de como vê-la naquela mesma praia à noite.


Como que precisando explicar o meu desejo a um estranho, ou mesmo justificá-lo, falei de meu amor pelo mar. De como, mesmo nascendo perto do mar, fui levada para longe e minha relação permanece assim, feita de encontros fugidios.

Foi a sua deixa. Em cinco minutos contou a vida de seu avô até a sua, me prendendo o olhar e a atenção a cada palavra:


“Meu avô era português. Conheceu minha avó após a guerra e se casaram. Seu sonho era vir morar no Brasil. Minha avó engravidou de meu pai e eles acertaram que, após o nascimento, eles viriam para cá. Mas meu avô tinha ficado exposto a agentes químicos na guerra. Muito doente, faleceu antes que meu pai nascesse. Meu pai cresceu ouvindo histórias sobre o desejo de seu pai de atravessar o Atlântico. Mas até se tornar um adulto, ele nunca havia visto o mar. Morava em uma cidade do interior de Portugal. Então, um dia meu pai foi conhecer o mar e decidiu que viria para o Brasil, vivendo o sonho de meu avô. E veio. Aqui, ele trabalhou com materiais de construção em Brasília e depois mudou-se para o litoral carioca. 

Um dia, juntou dinheiro e comprou um barco de pesca para os finais de semana. Ele e seus amigos portugueses passeavam bastante. Cresci em meio a isso tudo e em meio as ardentias do mar nas noites de pesca. Quando completei 18 anos, estava decidido a ir para a Marinha. Mas eu e um amigo fazíamos explosivos caseiros. Nesta época, um deles explodiu e foi aí que perdi minha mão esquerda. Não pude entrar para a Marinha, então fui arranjar um emprego. Em um hotel aqui perto, havia vaga para cozinheiro ou marinheiro, escolhi o segundo, é claro. Ao final do primeiro ano, havia comprado meu primeiro barco e fazia a travessia dos clientes do hotel, que ficava em uma ilha. Não parei mais e não me vejo fazendo outra coisa na vida que não seja ligada ao mar”.


Há pessoas que nos tocam com suas histórias e nos fazem repensar por onde largamos nossos sonhos.