"Absinto" é uma bebida destilada feito da erva Artemisia absinthium. Anis, funcho e por vezes outras ervas compõem a bebida. Ela foi criada e utilizada primeiramente como remédio pelo Dr. Pierre Ordinaire, médico francês que vivia em Couvet na Suíça por volta de 1792.É também conhecido popularmente de fada verde em virtude de um suposto efeito alucinógeno. Absinto, o blog, é um espaço para delírios pessoais e coletivos. Absinte-se e boa leitura.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Sobre urbes e estado de espírito



Visitei São Paulo e ela não me engoliu. Embora dê medo. Sempre tive medo de São Paulo. Medo do desconhecido, de não conseguir por a vista em tudo. O Rio é diferente. Você tem noção para onde está se indo.

Em São Paulo você anda embaixo da terra. A geografia agride.

Em meus pensamentos, sentiria mais segura em Paris, cidade que espero um dia conhecer, do que na terra de todos os imigrantes.

Depois de algumas poucas viagens para a grande capital – onde a garoa sempre foi minha companheira – me lancei aos túneis e desvendei alguns de seus lugares, não tão secretos, mas decididamente inesquecíveis. Neste dia, enfim, fazia sol.

E gostei. E quero voltar a provar o que provei. Porque todo mundo deve visitar um grande centro de tempos em tempos e lotar os pulmões de gente.

Vale ver vitrines (Desde que não seja em um shopping center, porque estes são os mesmos em qualquer parte do planeta, completamente previsíveis);

ouvir os vendedores de rua, experimentar as deliciosas cores e os irresistíveis aromas do Mercado Municipal;

olhar as caras cansadas de quem volta para casa no metrô, tentar imaginar como é a vida de cada um com quem passamos alguns segundos dentro de um mesmo vagão, para depois se perder e nunca mais se achar.

Em São Paulo se respira cultura, se transpira também. E se inspira.









Uma cidade assim personifica o nosso Aleph interior? Por alguns dias, com certeza.

No ato de descer a primeira plataforma, completamente sozinha, senti a coragem de Micael. (para quem não sabe, a primavera é a época de vencer batalhas internas).

Encontrar amigos que te acolhem, a cerveja gelada, os sorrisos de novos conhecidos. A despedida. E na volta solitária, o reencontro, o estar plena de vida, ouvir e dizer “te amo”.

domingo, 18 de outubro de 2009

Vida Capitosa


Yo no creo em brujas, pero que las hay, las hay.
E eu sou uma delas. Toda mulher é, principalmente após os 40. Não é suposição, mas mera constatação dos fatos.

Com o tempo, vamos aprendendo com os movimentos cíclicos da vida e ficando mais sábias. Ou pelo menos deveríamos ficar.

Existem também os adoráveis bruxos que, embora nossa cultura teime em negar, têm lá as suas intuições certeiras.

Toda esta condição favorável a mais acertos do que erros, não nos garante as melhores escolhas. Talvez porque essas, de fato, não existem. Afinal, tudo na vida é circunstancial.

Aos 20, 30, 40, seja a idade que for, sempre questionamos os caminhos percorridos. O que seria de nossas vidas se tivéssemos navegado por águas totalmente diferentes?

O que muda é o nosso olhar sobre o caminho. E, agora, no topo, para onde vamos antes de descer a colina? O que nos resta fazer? O que deixamos de fazer?

Esta angústia é ao mesmo tempo dolorosa e criadora, como todo processo pulsante da vida. Desafios, metas, mudanças, espiral do tempo.

Sempre quis me lançar ao mar em uma viagem sem rumo. Existe algo mais libertário do que a imagem de um barco navegando pelos oceanos?

Para fazer esta viagem, eu preciso de meu porto seguro. A aventura e a introspecção. O encontro e a despedida.

Movimentos tão conhecidos de todo ser humano. Ondas compassadas, descompasso e novamente o compasso.

Se existe um mistério que aponta para a felicidade, é a nossa capacidade de renascer, eternamente, renascer.

O vento Sul tem na Voz

Um quê de individual –

Como ao captanearmos no Cais

Um endereço de Emigrante,

Sugere portos e Povos –

E muito de nebuloso

Dá mais encanto – à distância –

E também ao Estranhamento

(Emily Dickinson)

domingo, 11 de outubro de 2009

Feijão Guandu



Dos sabores da minha infância, o mais forte que permanece na minha lembrança é o do feijão guandu. Todas as quartas, eu ia à feira com a minha mãe, no bairro da Tijuca, Rio de Janeiro. Feira na Visconde de Figueiredo, próxima à Alzira Brandão, famosa pelas comemorações nos jogos da copa do mundo.
Ainda me lembro do ir e vir dos carrinhos com rodinhas conduzidos pelas senhoras e meninos que ajudavam a carregar as compras por uns trocados. Minha mãe levava sacolas de pano ou de nylon colorido. E eu sonhava com o dia em que ela compraria um carrinho de feira, o que nunca aconteceu.
As paradas eram as mesmas: na barraca de peixe, as sardinhas vendidas às dúzias. Todas limpinhas, prontas para fritar ainda no almoço do dia; o caju de um vermelho intenso e aroma singular (minha mãe fazia o suco coado no pano de algodão); e o feijão guandu, medido no copo de vidro americano.
Não era raro ouvir o grito de alerta:“olha o rapa!”, anunciando aos ambulantes ilegais que a polícia se aproximava. Bastava chegar um pouco para o lado e dar passagem. Em tempos de fim de ditadura, eu, ainda sem entender o que se passava no país, secretamente desejava que os vendedores conseguissem fugir dos homens de farda.
Mais da feira não me lembro. Exceto por um homem cego que vendia bananadas e que por vezes minha mãe comprava para mim. Um dia, após longa ausência, encontramos com ele em uma rua da Tijuca. Paramos e ele disse: “- Como sua filha cresceu!” Daquele dia em diante, passei a desconfiar de que ele não era cego. E muito tempo se passou para eu compreender que temos cinco sentidos para reconhecer o outro.
A memória é seletiva. Trazemos à tona o que nos convém e damos aos fatos as cores que queremos, para o bem ou para o mal. Sorte que a maioria de nós tende a esquecer os eventos ruins e dar novo sentido as coisinhas antes sem graça do nosso cotidiano. E ainda delineamos um contorno especial às nossas aventuras juvenis, algumas até hoje inconfessáveis.
Como na música de Cesária Évora, hoje regressei no tempo, uma saudade com gosto de infância.

Mamãe velha venha ouvir comigo

O bater da chuva lá no seu portão

É um bater de amigo que
vibra dentro do meu coração

Venha Mamãe velha venha ouvir comigo
Recobre a força e chegue-se ao portão
A chuva amiga já falou, mantenha
e bate dentro do meu coração

A chuva amiga mamãe velha a chuva
Que há tanto tempo não batia assim
Ouvi dizer que a cidade velha a ilha toda
Em poucos dias já virou jardim

Dizem que o campo se cobriu de verde
Da cor mais bela porque é a cor da esperança
E a terra agora é mesmo cabo verde
É a tempestade que virou bonança


Venha comigo mamãe velha, venha
Recobre a força e chegue-se ao portão
A chuva amiga já falou, mantenha
e bate dentro do meu coração

A chuva amiga mamãe velha a chuva
Que há tanto tempo não batia assim
Ouvi dizer que a cidade velha a ilha toda
Em poucos dias já virou jardim

Dizem que o campo se cobriu de verde
Da cor mais bela porque é a cor da esperança
E a terra agora é mesmo cabo verde
É a tempestade que virou bonança

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

O Aleph



Na parte inferior do degrau, à direita, vi uma pequena esfera furta-cor, e brilho quase intolerável (...) O diâmetro do Aleph seria de dois a três centímetros, mas o espaço cósmico ali estava, sem diminuição de tamanho.
Cada coisa era infinitas coisas, porque eu a via claramente de todos os pontos do universo. Vi o populoso mar, vi a aurora e a tarde, (...) vi uma prateada teia de aranha no centro de uma negra pirâmide, vi um roto labirinto (era Londres) ... vi, ao mesmo tempo, cada letra de cada página, (...) vi numa gaveta da escrivaninha cartas obscenas (...), vi teu rosto e senti vertigem e chorei (...)"

Neste conto de 1969, o escritor argentino Jorge Luís Borges talvez tenha sido um visionário do que viria a ser um dia a internet. Todas as coisas possíveis e imagináveis observadas de uma só vez em uma pequena esfera flutuante no porão de uma casa antiga. A possibilidade quase enlouquece o personagem.

Em outro conto, A Biblioteca de Areia, Borges novamente nos remete a imagem deste mundo infinito:

“Abri-o ao acaso. Os caracteres me eram estranhos. (...) Trazia uma pequena ilustração... Foi então que o desconhecido disse: - Olhe-a bem. Já não a verá nunca mais. (...) Pediu-me que procurasse a primeira folha. Apoiei a mão esquerda sobre a portada e abri com o dedo polegar quase pegado ao indicador. Tudo foi inútil: sempre se interpunham várias folhas entre a portada e a mão. Era como se brotassem do livro. - Agora procure o final. Também fracassei”.

A nós, este mundo aberto igualmente fascina e amedronta. O quanto podemos ficar cativos a ele? Consultar o Google é um péssimo exercício para a memória. Mas quem resiste a uma espiadinha? Desvelar o passado, perseguir a notícia em tempo real. Uma atmosfera tão inconsistente, por vezes intangível, por vezes pouco confiável, e completamente apaixonante que nos faz repensar a relação espaço/tempo em nossa contemporaneidade.

Em Orlando, Virgínia Wolf descreve o seu personagem, amante das artes e das letras, ao despertar após várias “reencarnações” em uma livraria no final do século XIX. Orlando desmaia ao perceber que não mais dará conta de toda a produção literária do planeta.

Seremos seres fragmentados para todo o sempre. Olhares de prismas, faces refratárias, mente em constante movimentação. E neste grande globo, pertencemos a muitas tribos e a nenhuma. Afinal, quem consegue compreender todas as possibilidades de seu Aleph interior?

Descrevo essas sensações e penso em como conviver com esta superficialidade humana. O autor equaciona a problemática de maneira poética. A mim, resta a persistência da dúvida.

“Na rua, nas escadarias de Constitución, no metrô, pareceram-me familiares todas as faces. Tive medo de que não restasse uma só coisa capaz de surpreender-me, tive medo de que jamais me abandonasse a impressão de voltar. Felizmente, depois de algumas noites de insônia, agiu outra vez sobre mim o esquecimento”.

A Fada Verde




E este blog inicia a sua jornada nos tempos em que escrever e compartilhar o que se pensa é um ato tão democrático, quanto banal. Imagino que poucos terão paciência para me acompanhar. Mesmo assim, escrevo mais como expressão do que a necessidade de ser compreendida. Talvez uma vontade de auto-análise do cotidiano deste mundo de Corra Lola, corra!
A fada verde me veio como uma imagem de muitas possibilidades. A de traçar paralelos inimagináveis. Como astronomia e leite materno. De tudo o que meu universo possa se interessar. Beber desta fonte é antes de tudo um mergulho de alma. Coisa que modéstia parte faço muito bem. Sem amarras, sem medos, me lanço e não me prendo. Eterna aprendiz, solto minhas fadas, encarno minhas bruxas e vou à luta. Com o universo conspirando sempre, é claro.