"Absinto" é uma bebida destilada feito da erva Artemisia absinthium. Anis, funcho e por vezes outras ervas compõem a bebida. Ela foi criada e utilizada primeiramente como remédio pelo Dr. Pierre Ordinaire, médico francês que vivia em Couvet na Suíça por volta de 1792.É também conhecido popularmente de fada verde em virtude de um suposto efeito alucinógeno. Absinto, o blog, é um espaço para delírios pessoais e coletivos. Absinte-se e boa leitura.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Adélia Prado



Ontem fui assistir a uma palestra aqui na minha cidade com a escritora mineira Adélia Prado.
O que dizer. Passaria a noite toda ouvindo aquela voz doce, ao mesmo tempo firme, falando sobre a vida. Parecia que falava para mim. Parecia que falava para cada um em particular.

Adélia tem o dom da fala e da escrita. Aquela magia que nos envolve e nos toca lá na alma.
Cada gesto, cada palavra, um fio que se desenrola na experiência de quem já viveu e aprendeu.
Embora a sabedoria, saibamos, chega com os anos, quando Adélia fala, parece que nasceu assim. Sábia.
 E falou do amor. Do amor feminino, do amor de homem e mulher, de mãe e filho. E falou do amor presente no cotidiano da vida. Como em sua poesia, Adélia tem o dom de colorir os detalhes. E todo o simples fica belo.

Não sabia que a autora era tão religiosa. Católica, respeitosa de todas as crenças (até na crença dos ateus que cultuam a não crença), falou de fé e de esperança e de tolerância com as falhas de quem se ama. “Como seria bom casar com aquele pianista maravilhoso. A mulher se casa e na vida dividida descobre que ele tem o péssimo hábito de fazer bolhinhas com o miolo do pão". "Que vida chata a da rainha da Inglaterra, tendo que se preparar todos os dias para inaugurar creches". "A vida tem sentido nas coisas diárias, no descascar batatas, no lavar banheiros, no servir. Quando temos um sentido na vida, tudo ganha significado”.

Como boa virginiana, sempre me ative ao brilho dos detalhes, mas ando carente de outras crenças na humanidade. Ora acredito, ora desejo sumir do planeta. Sentimentos comuns para uma vida moderna em que não existe uma via única a escolher, mas uma multiplicidade de escolhas que, por vezes, nos estagna.

Ando mais para a melancolia de Rachael Jardim do que para a fé e a esperança de Adélia Prado. De qualquer maneira, sinto que ontem renasci mais um pouco. Obrigada Adélia.

Deixo aqui um pouco de sua poesia

Solar

Minha mãe cozinhava exatamente
arroz, feijão-roxinho,
molho de batatinhas.
Mas cantava.

Ensinamento

“Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
“Coitado, até essa hora no serviço pesado”.
Arrumou pão e café , deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.

Com licença poética

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado para mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
Já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
 

terça-feira, 27 de agosto de 2013

A cidade das noivas


Eu estava em Roma pela primeira vez e já haviam me avisado que aos domingos a gente tropeça nelas.
E é por aí mesmo. Contamos 16 naquele dia. Encontramos algumas nas portas das relicárias igrejas. 
Entrando, saindo, esperando a hora de entrarem triunfantes. Algumas de carruagem, uma tirava fotos em um parque público. Outro casal de noivos subia a ladeira com o ar ofegante e com aquele sorriso de felicidade no rosto do “para sempre” dos contos de fadas.

Fiquei pensando onde estariam esses sorrisos em 10 anos. Uma pesquisa científica aponta que a paixão dura dois anos, depois o que fica é o amor e a cumplicidade, além de coisas menos nobres, como o costume ou a falta de vontade para mudar essa condição.

Mas as noivas de Roma com seus noivos de fraque não pareciam pensar em separação. A cerimônia em um dia de sol, os vestidos brancos, as flores de fim de primavera. E lá foram elas seguindo seus caminhos, cada uma com seu sonho e com seu ritual.

Recordando as noivas nessa cidade tão mística, não sei o porquê, me vem à lembrança as sacerdotisas de Vesta, deusa do fogo. As vestais eram sempre seis, escolhidas com a idade entre seis e 10 anos de idade, deveriam servir ao templo por 30 anos e manterem-se virgens. As vestais utilizavam um penteado chamado sex crines, um adorno com seis tranças. O mesmo penteado era usado pelas noivas da época.


As vestais estavam longe do julgo do pátrio poder, desde que cumprissem suas obrigações no templo.  Na Roma antiga, um condenado à morte teria duas maneiras de perdão. Concedido por César ou se na hora da execução de sua sentença cruzasse pelo seu caminho uma Vestal.

As vestais e as noivas de Roma teriam, além das tranças, o mesmo ar de felicidade? Embora fossem as únicas mulheres a fazerem parte da hierarquia religiosa de Roma, elas não tinham escolha. Eram vestais por imposição.

As noivas  de hoje já não se casam por dever, mesmo que essa prática ainda exista em algumas culturas, a maioria delas perpetuam, por prazer, seus sonhos de princesas modernas. Tão femininas em seus vestidos e babados. Rituais que permanecem, rituais do nosso tempo. Das vestais só restam histórias. Das noivas, o aroma e o encanto dos amores românticos.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Sagrado Feminino



(Para Michelle e Adélia)
Elas são tantas, em tantas formas e mesuras,
Em tantas raças e culturas
Elas detêm o poder da terra e do fruto
 
Força que assusta.
O medo escurece o que é belo. Oprime.
A opressão cansa e submete

A submissão, a dor, a tristeza, a descrença, a aceitação do não.
A consumição.
As cinzas.

A mão amiga, o reencontro com Baba Yaga, o reencontro com a fé.
A roda da vida.

Mesmo com cabelos brancos, a menina-flor.
Ela renasce, e tudo floresce.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Vazio





A alma feminina
Atravessou o salão
Como quem sabe o que quer
Sorriu sem olhar fixo
Conversou, brincou,
Sem deixar vestígios de que esteve ali
Verdadeiramente.
Saiu calada,
Sem fazer alarde
A alma
E o seu feminino.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Harmônica

A música que me embala
Não toca na balada
É antes uma melodia
Que mexe na minha harmonia

Faz-me tremer a pele
É um sentir melancólico
Que me conecta ao humano

A música que me embala
Faz-me chorar pela guerra
Faz-me chorar pela paz
Faz-me sentir a tristeza e desejar a alegria

Talvez seja o meu feminino,
Que exala pela vida
Quando ouço minha música,
Talvez seja você me chamando
E eu respondendo

Entendo-te, Pertenço-te
Um pertencer de quem olha no espelho. E se reconhece.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

O senhor do tempo




Levante a mão quem nunca teve vontade de arrancar os ponteiros de um relógio ou de jogá-lo na parede. Este medidor de tempo que determina o que podemos e não podemos fazer na nossa interminável lista de tarefas. Este senhor de barbas longas, que parece tão sábio, e que ainda não sabemos lidar com ele.

E de repente chega para muitos de nós a maternidade. Quem tem filhos sabe que cada idade é preciosa e guarda as suas descobertas. Mas o período entre os 3 e 5 anos de idade são especiais pela espontaneidade e as famosas pérolas que guardamos para relembrar ano após ano em almoços e encontros familiares e naqueles bate-papos sobre maternidade e paternidade.

Coleciono histórias de amigos e tenho as minhas próprias para contar. Como quando meu filho, aos 4 anos de idade, depois de uma travessia de 2 horas pelo mar até a Ilha Grande, sentado na janela do quarto, com as pernas dobradas, os braços segurando os joelhos e com os olhos perdidos naquela imensidão, filosofou: “É... papai, mamãe, eu, a gente não sabe nada”. Ou quando aos 3 anos, depois de escutar uma ladainha de “ordens” dadas por mim, respondeu: “Mamãe, “pesta” atenção – cová dente, tomá banho, não precisa nada disso mamãe, entendeu?”.  Isso dito com a maior tranquilidade do mundo, no melhor estilo larga do meu pé sua chata!

E não é isso que nos tornamos, nesta ansiedade doentia de ocupar o tempo com o que temos que fazer? A minha ansiedade é a do dever a ser cumprido. O dever que imputei a mim mesma dos horários rígidos para minhas ocupações. 

E eis que chegam até nós estas almas também ansiosas, mas um anseio pelo novo, pelas descobertas da vida. E de repente uma pracinha perto de casa pode ser tão fascinante quanto qualquer Disney World e esconder tesouros de pirata e pedras preciosas de duendes.

O tempo das crianças é um tempo à parte, como o tempo dos mais velhos. É o tempo sem culpa de ser gasto. É aquele tempo gostoso da conversa jogada fora, que na verdade é jogada dentro da alma e alimenta sorrisos e compartilha sentimentos verdadeiros.

Peço desculpas ao meu filho pelas vezes que o fiz correr por estarmos atrasados, peço desculpas por imputar a ele uma correria doentia da qual eu mesma tento me livrar.

Hoje, sinto-me uma mãe menos dona da verdade e mais aprendiz, ao lado do olhar curioso do meu filho que já sabe ver as horas, mas não está nem ai para elas, a não ser se for para ir à aula de Kung Fu, sua nova paixão.