A frase martela a cabeça
como uma lembrança doutrinária do catequismo. Amai-vos uns aos outros. E com ela a
frase herdade de meu pai: O meu direito acaba quando o do outro começa. Aprendi a ler com o poeta
Gentileza. Cada pilar dos viadutos do Rio de Janeiro ecoavam a mensagem de meu
pai. E eu acreditei que o mundo era belo e que o mundo era bom.
Depois veio a Lei do Gerson. E
tudo isso ficou pequeno. Não que o meu olhar ou a minha crença tenham mudado.
Mas ao redor vejo as pessoas me olharem com um tom de ingenuidade. Não sou
ingênua. Tenho fé. Tenho fé no que me ensinaram ainda no berço. Mesmo não sendo
católica, tenho fé no amor, no humano.
E como é difícil viver essa
fé. Outro dia um amigo comentava comigo: “As pessoas querem que sejamos
verdadeiras com elas, mas é difícil elas vivenciarem a verdade”. É mesmo. O
amor acaba na primeira briga por um prato de comida. Que dirá por milhões de
dólares. O ser humano anda muito doente. Doente da vista. O olhar perdido
perambulando as vitrines. Almas sem valor. E se esqueceram de olhar para
dentro, porque de dentro brota o amor. E a gente só dá o que tem.
Onde está a chama pela vida?
Onde está a face corada pela indignação? Por onde anda a gentileza?
Chamam-me de ingênua porque
defendo o parto normal. Mais ainda, o parto humanizado. Nascer é um momento
sagrado. Um momento em que o ser humano carrega em si imprints que o
acompanharão à vida toda. E nos hospitais públicos o que escutamos são frases
carregadas de preconceito e desrespeito: “Na hora de fazer, não sentiu dor”.
“Gozou? Agora aguenta”. A mulher esquecida, mais uma vez diminuída, solitária. A
fêmea acuada no momento de sua maior plenitude. Para depois cair no anonimato
“mãenzinha”.
Nas clínicas particulares, a
hora marcada é quem guia os passos. A desinformação é tanta que um obstetra
ainda hoje é capaz de mandar uma mulher grávida esfregar bucha nos seios para
“prepará-los para amamentar”. Mas a cesária eletiva é certa. Com seus pontos
doloridos, intercorrências veladas. Ninguém mais ajuda a mulher a parir. Parir
é feio, parir é para bicho. Mulher moderna tem parto. Cesário. A cirurgia que
veio para salvar vidas, hoje mutila corações.
Por que é tão difícil nascer
sorrindo? Porque o seu direito acaba na hora em que o meu começa. E o meu
direito tem hora marcada.
A abnegação dos monges, dos
padres, dos pastores, dos voluntários. Isso é para ingênuos.
Hoje vou sair correndo com meu
carro, brigar com o motorista que demora, o pedestre idoso que não sai do
meu caminho, o morador de rua fétido na calçada.
É, o mundo não é tão belo, pai.
E não é tão bom. Mas ainda acredito em você. Vou seguindo com a minha
ingenuidade e pureza. Vou semeando flores. Quem sabe vendo o meu jardim, outras
pessoas também resolvam cultivar carinho? Mesmo que ninguém mais cultive,
estarei ali esperando que o homem possa nascer sorrindo.
Hoje acenderei uma vela por
Jesus, por Buda, por Gentileza, pelo meu pai, pelo meu filho.
*esta postagem faz parte do Blog Action Day que acontece todos os anos na Internet em prol de um tema.