"Absinto" é uma bebida destilada feito da erva Artemisia absinthium. Anis, funcho e por vezes outras ervas compõem a bebida. Ela foi criada e utilizada primeiramente como remédio pelo Dr. Pierre Ordinaire, médico francês que vivia em Couvet na Suíça por volta de 1792.É também conhecido popularmente de fada verde em virtude de um suposto efeito alucinógeno. Absinto, o blog, é um espaço para delírios pessoais e coletivos. Absinte-se e boa leitura.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

O escritor e a cigarra



Foto: Malu Machado
Giverny na Primavera - Foto: Malu Machado
Escrevo porque preciso. Como você que pinta colore o mundo com suas tintas, rabisco meus cadernos com meus pensamentos. Nem sempre tão interessantes, mas que brotam de mim.
É difícil ser original em 2013. Tudo já foi dito, idealizado, concretizado. É difícil surpreender.
Quando uma ideia surge, escrevo de uma sentada, sem muito rever. A ansiedade é própria da minha essência e estaria sim presente em meu modo de se expressar. Talvez por isso tenha a aparência tão calma. 

Não carrego nada, assim que sinto, me confesso. Ou explodo. Temperamento bem feminino de quem não sabe guardar segredos. Nem os bons, nem os maus. Espalhar sentimentos, sentir na pele, apurar os cinco sentidos. Como menina redescobrindo a Terra a cada dia. Sem isso, feneço, perene, mas vazia. Necessito do novo para me sentir viva. Necessito de redescobertas. Por isso, preciso caminhar mais devagar. Para ter tempo de descobrir o musgo por trás da pedra. Como viver sem ter encontrado este tesouro? !

Por vezes me sinto como uma cigarra que canta sem rumo. Não quero mais acordar de hora marcada, preciso escrever. Preciso escrever para respirar. Preciso me reencantar pela vida.


Canto para a Primavera

Retire o olhar cansado, desarme os ombros.
Durma três dias seguidos e então reviva.
Comece como um recém-nascido.
Não busque a luz forte do meio dia,
Mas a claridade amena dos primeiros raios de sol.
Então perceba as sutilezas ao seu redor,
Descubra as joaninhas, os caminhos das formigas,
As flores que desabrocham um pouco mais a cada dia.
Sorria com seu cachorro, afague o seu amor,
Faça amor sem hora,
Entregue-se ao tempo sem tempo da criança,
Hoje, deixe a agenda na gaveta da sala e ande descalça.
Faça um bolo ao final da tarde, sente-se ao ar livre e delicie-se com sua produção.
Veja os pássaros buscando abrigo.
O sol já vai se por.
Então, procure as primeiras estrelas no céu. Mercúrio, Saturno, Venus. Eles estão logo ali, basta olhar.
Dê um abraço em um amigo, sorria, escute. Escutar faz toda a diferença. Ser escutada também.
Durma feliz.
Abrace a vida e renasça.



terça-feira, 17 de setembro de 2013

Das cinzas



Click na foto e conheça o trabalho de Maria Turchenkova
Enquanto acreditar em teses, minha vida se esvai. Essa foi a última frase que ouvi de minha prima, antes de sua morte. Ela não queria esse mundo. E esse sentimento é tão profundo que quantos de nós não os sentimos todos os dias?

Eu não quero corrupção, mas dou o meu jeitinho. Acredito em parto humanizado, mas me conformo com uma cesariana eletiva. Acho que a mochila do meu filho anda pesada e que é um massacre a cobrança de estudar para um vestibular sobre uma criança de 7 anos, mas matriculo meu filho na escola mais competitiva da cidade. Eu amo dançar, mas não acho tempo. Adoro meus amigos, mas não tenho assunto com eles que não seja do meu interesse. Não sei escutar e quero ser ouvida. Não abraço e quero abraços. Não concordo com o trabalho que faço todos os dias, mas me arrumo e vou. Todos os dias. A vida se esvai por entre meus dedos. Não percebo. A vida se foi. Hoje estou velha e cansada. As pernas atrofiadas, o coração duro, o sorriso fugiu para algum lugar da inocência perdida.

Foi-se. E a fruteira da sala está vazia.

Não carrego memórias felizes, apenas momentos de ausência. Minha vida foi uma enorme ausência de mim mesma. Sem coragem para as coisas que verdadeiramente acredito.
Não me impus, não me encontrei, não me realizei. Agora sou sombra sem afago.

Hoje um véu se desvendou. Antes de enterrar minha prima, desenterro minha alma e volto ao jardim do mundo. Vou buscar o encanto. 

Hoje, amanheci mais leve.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

As perguntas que eu mesmo me faço






(Adaptado com conto Muitas Luas de Jhames Thurber)

Uma pequena história de como encontramos respostas dentro de nós mesmas ou sobre a importância de ouvir o outro.

“E da sua simplicidade ela desejou a lua. E seu pai, o rei, mandou chamar o médico real, pois a menina adoentada não mais levantava de sua cama. Vieram o médico real, o camareiro real, o mágico real, o matemático real, e nenhum deles sabia como o rei poderia dar a lua para a princesinha. Desesperado, o rei chamou o bobo real. Que sem mais demoras foi ao quarto da criança e perguntou: Porque está tão triste, minha princesa? O que traria a alegria de volta aos seus olhos? E a princesa disse que se sentiria melhor se tivesse a lua.

- Apenas isso, princesa? Pois amanhã ao entardecer, quando a lua começar a apontar no céu e estiver ao alcance dos galhos mais altos daquela árvore, eu subirei até lá e te trarei a lua. A princesa ficou alegre com as suas palavras. Antes de sair, porém, o Bobo real perguntou:

- Princesa, de que é feita a lua?
- Ora seu bobinho. Todo mundo sabe que a lua é feita de ouro.

E o bobo real saiu bem depressa e foi à procura do ourives real e lhe pediu que fizesse uma esfera de ouro para a princesa. Ao terminar o trabalho, o bobo disse:

- Acabastes de fazer a lua, meu amigo!

- Ora, mas todos sabem que a lua fica a 800 mil km de distância  da Terra, é feita de bronze e se parece com uma bola de gude!

- Isso é o que você pensa, disse o bobo da corte que saiu com a lua entre as mãos.

Ao anoitecer, ele subiu no galho mais alto da árvore próxima à janela da princesa. E, em um movimento acrobático, se esticou para frente pegando a lua. Então ele entregou a pequena lua de ouro para a princesa, fechou as cortinas e esperou a menina adormecer.

No dia seguinte, a princesinha saiu alegre pelo jardim do reino totalmente recuperada. Mas o rei estava preocupado. Quando a noite caísse, a lua iria surgir e a menina iria perceber que a lua que tinha em suas mãos não era mesmo a lua.

Mais uma vez ele chamou os homens mais sábios do reino. Mas ninguém conseguiu encontrar uma solução.

Então, chamou o bobo real. Que disse:

- A princesa, meu rei, é a mais sábia de todos os seus súditos. Ela mesma nos dará a resposta. E antes que o rei pudesse fazer alguma coisa para impedi-lo, o bobo real entrou no quarto da princesa no mesmo instante em que a lua já surgia no firmamento. Com cara de triste, perguntou:

- Princesa, como pode a lua estar no céu se ela está também em suas mãos?
- Ora seu tolinho, é bem simples, respondeu a princesa. Quando eu perco um dente, não nasce outro em seu lugar? É a mesma coisa com a lua. Acho que é a mesma coisa com tudo.

A voz da menina foi tornando-se baixa até que ela adormeceu. O Bobo, antes de sair do quarto, foi até a janela e piscou para a lua, porque lhe pareceu que ela piscava para ele. “

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Os gatos de Cinque Terre


Gato de Cinque Foto: Malu Machado
Para quem não sabe o animal símbolo da Itália é o gato. Na região montanhosa de Cinque Terre, na costa da Riviera Ligure, encontrei com gatos enormes. O que mais me chamou a atenção foi que eles circulavam em plena luz do dia em meio a centenas de turistas. Os bancos das praças são deles. Um desses felinos, consegui fotografar. Os cães, também enormes, transitavam por ali sem que eu presenciasse nenhum conflito de território.

Isso me fez pensar que a tão sonhada qualidade de vida chegou por aquelas bandas. Cinque Terre também
passou suas crises e também deve tê-las. Mas por hoje, os gatos são gordos. Sinal de abundância nas famílias. Nunca me esqueci de quando li Vidas Secas de Graciliano Ramos, o choque que senti ao descobrir a personagem Baleia. Baleia, a cachorrinha da família, acompanha parte da jornada dos retirantes pela seca do nordeste brasileiro. O homem e a mulher batizaram a Baleia. Os filhos, esses não precisavam de nomes.

Cinque Terre Foto: Malu Machado
Quando um povo fica faminto, existem vários sinais que refletem essa fome. E um povo pode ficar faminto de muitas formas. De ideias, de sonhos. O ser humano pode ter fome até de conflito. Conflito aguça, espanta a preguiça e esquenta os desejos. Esse tipo de fome é bom ter.

Os argentinos estão em uma fase de fome voraz no cinema, com uma safra de arrepiar. Sob a direção de Gustavo Taretto, o filme Medianeras estreou no Brasil em 2011 e levou o prêmio de melhor filme estrangeiro em Gramado.

Entre outras sacadas geniais, o enredo fala deste “não lugar” onde nos encontramos quando estamos em crise. Aqui em nosso país chamamos as medianeras de empenas secas ou laterais sem janelas de um prédio. Aquele lugar onde ninguém olha e que por isso mesmo não precisa ser cuidado, pintado, reformado. Até que um dia a pintura descasca na frente, por dentro e não há mais como esconder, como se esconder.

A Europa em crise, o mundo em crise, eu e você no divã. Todos querendo se encontrar, querendo um lugar. Desejo de ser gato bem resolvido, curtindo o rei sol. Lambidas aos montes no nosso ego. Olhar de quem sabe o que quer, andar de quem vai conquistar o mundo. Sigo sonhando.

Gato de Cinque Foto: Malu Machado