
E dos tempos imperiais herdamos o hábito de sentar-se à mesa e simplesmente quedar até o entardecer.
Até hoje, famílias de cidades pequenas mantêm o hábito de deixar a mesa posta do café da manhã para o almoço, do almoço para o lanche da tarde, em um sucessivo requinte gastronômico em que é preciso alimentar a prole como se fossem lobos esfomeados.
Recusar? Uma ofensa digna de confessionário. Dez Aves Marias e 30 Pai Nossos, no mínimo!
Cozinhar é fazer amor por dentro. Ouvi esta frase de um amigo carioca, para quem todo o problema do arroz estava nos mineiros. O arroz, dizia ele, foi feito para acompanhar os pratos. Mas aí vieram os mineiro e inventaram o arroz com alho. Bom, não sei se a invenção é das terras de Guimarães, mas o fato é que mineiro come arroz até com macarronada. E gosta.
E para fazer amor por dentro é preciso lavar bem as mãos e a alma, estar sem pressa. Sabedoria dos ciganos.
Ouvir uma boa música, tomar uma boa taça de vinho e, se você tiver a sorte de ter um pequeno canteiro de ervas, terá o privilégio de colher cada folha poucas horas antes do preparo do prato principal.
Cozinhar é um estado de espírito. Não gosto do dia-a-dia, gosto do extraordinário, da surpresa. Um dia acordo com gosto de tomate na boca e remexo minhas panelas.
O feitiço vai tomando forma e, de repente, você descobre que alecrim vai muito bem com carnes vermelhas, que não existe nada mais instigante do que a sabedoria mediterrânea de misturar manjericão com massas e que gengibre e peixes são almas gêmeas.
No canteiro da minha casa são poucos os que já saborearam meus temperos. É magia contida, porque o que muito se dissemina, perde a graça.
Não. Não é nada disso. É que a feiticeira aqui só cozinha em ano bissexto, ou quase isso.
E, quem tiver a sorte, pode chegar no dia em que o cheiro da cepa seja para mim inspirador, a porta vai estar aberta e você vai poder entrar.
Não muito se admire se te colocar uma faca não mão e umas batatas. Afinal, dividir o fogão é sempre mais delicioso.