
No amor, mais do que elogiados, queremos ser escolhidos. Não por qualquer um, mas por alguém que julgamos especial diante dos outros. Alguém capaz de conquistar qualquer pessoa e que, magicamente, nos escolhe. Só somos capazes de amar, desejar, quem admiramos.
O primeiro passo do amor é o objeto de Narciso. E ao sucumbir ao reflexo das águas, embaralhamos tudo e descobrimos quem não somos. E pior, o que somos.
Um olhar, apenas. Basta um olhar e o estrago estará feito para todo o sempre. Amamos pelos detalhes. Não é o olhar, mas aquele olhar, uma luz específica que bate no corpo, desvelando uma cena única e uma lembrança eterna. Quando perguntamos o que amamos nele (nela), o que nos vem à cabeça é o detalhe. É claro que as causas e as razões do amor não são a pele sob a luz, mas, sem aquela pele sob aquela luz sob aquele ângulo, não há razões nem causas para o amor!
Não há quem duvide do divino torpor que a paixão nos provoca. Suave embriaguez que nos deixa levitando por segundos, horas, dias, meses. Até que a chuva passe em Macondo e o mundo nos resgate ao cotidiano.
Se a paixão se esvai, o amor se enraíza. A primeira imagem, um charmoso figurino original, some em névoas por tantos afazeres. Fica a mão, a certeza do aconchego, das diferenças toleradas, das semelhanças reforçadas. O roçar dos braços enquanto se prepara o peixe, como revelou Coralina. Se a admiração acaba, o amor também acaba. Sherazade sabia disso e reinventou o amor em mil e uma noites de intimidades entre histórias e prazer.
O fogo, este é necessário reinventar. Na surpresa do ato, ainda ser capaz de elevar o ser amado a condição de especial. Isso, após o território conquistado, é o eterno desafio.
Existem mais altas que tu, mais altas.
Mais puras do que tu, mais puras.
Mais belas do que tu, mais belas.
Mas tu és a rainha.
Quando vais pelas ruas
ninguém te reconhece.
Ninguém vê a coroa de cristal, ninguém vê
o tapete de ouro vermelho
que pisas por onde passas,
o tapete que não existe.
E apenas apareces
cantam todos os rios
em meu corpo, as campanas
estremecem o céu,
e um hino enche o mundo.
Somente tu e eu,
somente tu e eu, amor meu,
o escutamos.