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Saudade tem gosto um gosto especial quando se envelhece. Gosto de vida bem vivida. |
Minha avó materna era uma mulher forte. Quando faleceu aos 98 anos ainda mantinha o hábito de cheirar rapé cuidadosamente guardado em uma caixinha de metal que deveria ter pelo menos metade de sua idade cronológica.
Na cabeça ainda resistiam alguns fios de cabelos negros e no peito batia o segundo marca-passo. O último concedido gratuitamente pelo SUS no hospital Universitário de Uberlândia.
Minha avó era uma mulher de poucas palavras e muitos risos. Por vezes tomava uma aguardente para aquecer-se no inverno. E em sua casa sempre guardava uma panela de barro com boa comida caseira para as visitas inesperadas – que eram muitas.
Minha avó tinha a pele curtida de vida, dias de uma rabugice própria da idade. E um tempero irresistível.
Os anos avançam em meu espelho e por vezes penso se terei uma vida tão movimentada quanto a de minha avó, cercada de panelas bem temperadas sempre prontas para receber amigos e forasteiros.
Hoje quase não se visita, tem-se hora para chegar e hora para sair. Tudo bem civilizado. Tudo devidamente agendado. Sinto falta das visitas de assalto de minha infância.
Envelhecer não é uma coisa boa. Dá dores nas costas, azia no estômago, tira o viço do rosto. Envelhecer traz sabedoria e tristeza pelo tempo não vivido. Como pode o ser humano ser uma máquina tão fabulosa e demorar tanto tempo para amadurecer o espírito?
Não, não acho que vivi pouco, e sei que ainda me restam muitos anos de relativa juventude com os quais fiz pacto de vivê-los intensamente com o que me faz feliz, sem concessões. (Uma das coisas boas de envelhecer é saber dizer não sem culpa).
Mas a minha felicidade é simples como a de minha avó. Quero receber os amigos, jogar conversa fora, olhar estrelas e dar sonoras gargalhadas. Enxugar as lágrimas de minhas amigas nas conversas secretas e deixar que enxuguem as minhas. Quero o ombro acolhedor de meu companheiro, dormir de mãos dadas e pés juntos. Coisa pouca, de muita valia.
Penso na alegria de minha avó materna. Sempre pronta para coar café e colher cebolinhas em seu quintal.